Pois é, agora até a dor de costas pode ser provocada pela Covid…

A Covid-19, doença provocada pelo vírus SARS-Cov-2, é a doença do momento. A dor de costas sempre foi. Havendo um caldeirão de circunstâncias adequadas, podemos desenvolver dor de costas ou pneumonia da Covid-19 após infecção por SARS-Cov-2.

Mas como? Sendo o SARS-Cov-2 um vírus que o nosso sistema imunitário ataca, o vírus pode orientar, dependendo de um conjunto de factores envolventes variados, esse sistema imunitário em várias direcções, como no sentido dos sintomas clássicos e mais comuns da doença respiratória ou de outras doenças auto-imunes, entre as quais estão as dores de costas.

Outros factores que poderão contribuir para o aumento da dor de costas em tempo de pandemia, são o sedentarismo associado ao confinamento, o aumento de peso, o stress e ansiedade que também desregulam o sistema imunitário, assim como a falta de acesso do doente ao seu médico devido aos entraves à entrada nos hospitais e centros de saúde, o que leva ao progredir de doenças com o seu descontrolo.

Mas como se relaciona a auto-imunidade pela Covid-19 com a dor de costas e como podem estas, por sua vez, relacionar-se?

Há forte evidência científica que fenómenos de auto-imunidade são os principais responsáveis pelas formas graves da Covid-19, nomeadamente pneumonias graves associadas a Síndrome Respiratório Agudo Severo (SARS). Esta doença não é exclusivamente provocada pelo vírus da Covid, podendo ser provocada por outros vírus, ou mesmo por outras doenças infecciosas ou não, desde que essas doenças desencadeiem o mesmo tipo de resposta auto-imune.

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Embora a causa exata das doenças auto-imunes ainda permaneça desconhecida, existem vários factores que se acredita contribuírem para o seu surgimento, incluindo a predisposição genética, factores ambientais (tais como infecções por bactérias, vírus, fungos ou parasitas), agentes físicos (frio, escaldão pelo sol, etc), factores hormonais e desregulação do sistema imunológico, podendo ainda ser influenciado pelo nosso estado de espírito, ansiedade, stress, etc.. A interação de todos esses factores pode, em determinado momento, levar ao desenvolvimento da grande maioria das doenças humanas que têm – eu atrever-me-ia a dizer -, quase sempre, em maior ou menor grau, um fundo auto-imune.

Vírus como o Parvovírus B19, Epstein-Barr, Citomegalovírus, Herpes-6, HTLV-1, da hepatite A e C e da rubéola estão, comprovadamente, associados ao desencadeamento e iniciação de doenças auto-imunes, mas na realidade quase todos os outros vírus o podem estar. Falo-vos em todos estes vírus para perceberem que o mundo não é só Covid. Os outros vírus estão e continuarão por aí. Os mecanismos sugeridos são complexos, mas bem conhecidos e claramente descritos na literatura científica médica. Vou-vos poupar a pormenores, mas após a infecção por qualquer vírus, desencadeia-se uma cadeia de acontecimentos que pode, eventualmente, levar à produção de mediadores pró-inflamatórios, que, por sua vez, podem levar a danos nos tecidos. Dependendo do tecido danificado, assim temos manifestações/doenças diferentes.

Os coronavírus afetam desde sempre os seres humanos por transmissão oriunda dos animais. Nas últimas duas décadas, este é o terceiro caso do surgimento de estirpes de coronavírus diferentes, novas, mais graves do que os habituais, após a SARS em 2003 e a MERS-CoV em 2012. Em dezembro de 2019, um novo surto de um novo tipo de infecção por coronavírus surgiu em Wuhan, China: o SARS-CoV-2 que provoca a doença Covid-19 caracterizada, entre outros sintomas, por febre, tosse seca, dor de músculos e/ou fadiga extrema. A infecção pode também ser assintomática ou com sintomas constitucionais mínimos de gripe, levando a um desfecho favorável em muitos casos. No entanto, alguns dos pacientes desenvolvem uma pneumonia grave com sépsis, levando ao síndrome de desconforto respiratório agudo (SDRA) com insuficiência respiratória, que requer ventilação mecânica e envolvimento de múltiplos órgãos, podendo levar à morte. Estas formas graves de Covid-19 são aquelas que se desenvolvem por ativação imune descontrolada (libertação exagerada de citosinas, etc.), levando à falência de múltiplos órgãos.

O SARS-CoV-2 pode actuar como um fator desencadeante para o desenvolvimento de uma desregulação auto-imune e/ou auto-inflamatória rápida, podendo levar não só à pneumonia intersticial grave, em indivíduos com predisposição genética ou antecedentes patológicos, mas também, ao que parece, a muitas outras doenças auto-imunes, caso um caldeirão de factores variados se cumpra.

A dor de costas tem também, quase sempre, fenómenos inflamatórios/auto-imunes por detrás. É o ataque que o nosso próprio sistema imunitário faz contra tecidos danificados da coluna como discopatias, hérnias, protrusões, abaulamentos discais, artroses, cartilagens das facetas articulares, das articulações sacroilíacas, de quistos sinoviais, tecido que junta os discos aos corpos vertebrais ósseos, entre outros, que leva quase sempre ao desenvolvimento de sintomas (dor de costas, formigueiros, sensação térmica anómala e, por vezes, mesmo falta de força).

O vírus da Covid pode assim desencadear uma resposta do sistema imunitário, que pode levar à destruição do vírus, altura em que não se desenvolve doença, ou desencadear uma resposta auto-imune, caso se reúnam uma série de factores, que pode levar a uma série de doenças, das quais a mais grave será a pneumonia da SARS, mas também, caso se conjuguem factores ambientais, patológicos ou genéticos diferentes, desencadear o desenvolvimento de outras doenças, como a dor de costas.

A mensagem neste dia Mundial da Coluna será: mantenha-se activo, com segurança mas activo, e não descuide a sua saúde, que não se restringe obviamente à protecção contra a Covid-19.