1. Concordo com praticamente todas as propostas do choque fiscal que Rui Rio apresentou a um final de tarde de 6.ª feira da primeira semana de julho. Todas elas são bem-vindas e todas elas configuram um PSD preocupado com duas questões centrais da sua identidade: um crescimento económico sustentado e promovido pelas empresas e os contribuintes de classe média.
Qual é, então, o problema?
Desde logo, a sustentabilidade da proposta. O PSD quer cortar 3,7 mil milhões de receitas fiscais, garantindo que não haverá problemas orçamentais porque o crescimento económico será mais robusto com a receita de Rui Rio, contrariando todas as projeções do Banco de Portugal, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional (FMI) que apontam para o óbvio: com a desaceleração da economia mundial, a economia portuguesa será diretamente afetada. Depois do crescimento de 2,8% do PIB em 2017, a economia baixou para 2,1% em 2018 (contrariando a projeção do Governo de 2,3%), deverá ficar este ano nos 1,7%, no mesmo valor em 2020 e em 1,6% em 2021. Ora, só em 2023, o PSD espera que o PIB suba 2,7% — apostando forte nos estímulos ao investimento e no investimento público.
Não duvido da bondade das propostas da equipa liderada por Joaquim Miranda Sarmento (um jovem economista de qualidade com curriculum sólido que chegará sempre ao Ministério das Finanças de um Governo PSD). Mas custa-me a acreditar que o Banco de Portugal, Comissão Europeua e FMI estejam completamente errados.
Por outro lado, e aqui entra a parte estritamente política, o PSD (e o PS e o CDS) têm um passado de promessas de baixas de impostos, logo convertidas em promessas não cumpridas ou até mesmo em subidas de impostos quando chegam ao poder e são confrontados com aquilo que designam de choque com a realidade. Foi assim com Durão Barroso, tal como Passos Coelho prometeu não aumentar os impostos além do que estava previsto no memorando da troika até chegar Vítor Gaspar e executar um “enorme aumento de impostos.”
Logo, os eleitores olharão sempre com desconfiança para um candidato que prometer baixar IRS, IRC, IVA e IMI — tudo ao mesmo tempo e em vésperas de eleições legislativas que podem custar o lugar a Rui Rio. No mínimo, soa a desespero.
2. Depois temos Rui Rio com todas as suas contradições estratégicas. Diz-se a favor da regionalização mas é, por natureza, um líder centralista — uma das causas da demissão de Castro Almeida da vice-presidência do PSD. É líder do partido que congrega historicamente o eleitorado do centro-direita em Portugal, mas revela publicamente com gosto que só não entrou para o PS por causa de Francisco Sá Carneiro, como ainda diz que nas presidenciais de 1986, a luta mais renhida entre esquerda (Mário Soares) e a direita (Freitas do Amaral) que aconteceu desde o 25 de abril, votou em Soares. Se é líder do centro-direita, não parece estar muito interessado em demonstrá-lo.
Entre muitas outras contradições e erros estratégicos que culminaram com maior derrota de sempre do PSD nas últimas eleições europeias, Rui Rio chega a julho, a três meses das legislativas, com um líder muito desgastado e com sérios problemas de imagem que promovem uma perceção perdedora.
Ainda antes do choque fiscal, Rio já tinha apresentado outra medida de rutura mas esta geracional: escolheu Filipa Roseta (vereadora do PSD na Câmara de Cascais) como cabeça-de-lista para Lisboa e Hugo Carvalho (líder do Conselho Nacional da Juventude) para o Porto. E outras caras novas para liderar as listas dos restantes círculos eleitorais, como Margarida Balseiro Lopes (líder da JSD que se apresentará em Leiria) ou a advogada Ana Miguel Santos (para Aveiro).
Todas estas escolhas são positivas mas que comportam uma estratégia de risco que, ao mesmo tempo, é uma estratégia de defesa do próprio Rui Rio.
Em primeiro lugar, praticamente todos os cabeças-de-lista vão enfrentar problemas de notoriedade. Não só os eleitores não os reconhecem — um factor essencial em política — como o próprio aparelho partidário vai aderir com dificuldade às escolhas pessoais de Rui Rio. Neste último ponto, veremos como correrá o Conselho Nacional do PSD para aprovar as listas.
O mais importante, contudo, é que esta rutura geracional também servirá de escudo a Rui Rio na noite das legislativas de outubro. Não se apresentando como cabeça-de-lista, Rio terá argumentos para dizer que a rejeição não foi dirigida a si. Mais ainda se não se apresentar, de todo em todo, como candidato a deputado. Esta é, pois, uma estratégia para resistir e perdurar na liderança do PSD.
3. Enquanto Filipa Roseta falava, e bem, no combate à corrupção em entrevista à Rádio Observador, David Justino, vice-presidente do PSD, tentava agradar a Rui Rio e à advogada Mónica Quintela na TSF/Diário Notícias, criticando o facto de as investigações de corrupção serem abertas com base em denúncias anónimas — mais uma contradição na discurso do PSD.
Justino até é a favor do combater contra a corrupção, porque ela (a corrupção, entenda-se) existe. Mas só se as pessoas derem a cara, se assumirem as denúncias. Porque, pensa o vice-presidente de Rio, e independentemente dos factos denunciados e das provas apresentadas, tais denúncias anónimas só são feitas por pessoas com interesses políticos.
É importante, contudo, constatar que a perspicácia de David Justino em 2019 para matérias juridico-penais está ao mesmo nível daquela que revelou entre 1994 e 2001. Muita gente já não se recorda (o próprio, certamente, não quer que as pessoas se recordem), mas David Justino foi vereador da Habitação Social de Isaltino Morais na Câmara de Oeiras.
Justino, como muita gente que trabalhou na Câmara de Oeiras com Isaltino, nunca questionou como é que o autarca fazia uma vida faustosa apenas com o salário de presidente de Câmara. Como muitos que acompanharam Isaltino nos anos 90, Justino também acreditou que a pequena fortuna explicava-se com apostas bem sucedidas na bolsa e em heranças fantasiosas — um pouco como a narrativa que José Sócrates criou sobre a mãe herdeira do volfrâmio até o próprio Sócrates admitir que vivia do dinheiro emprestado por Carlos Santos Silva.
David Justino não deve saber mas as contas bancárias que Isaltino Morais abriu em seu nome na Suíça (às escondidas do Fisco e do Tribunal Constitucional) só foram descobertas pela Justiça depois de uma denúncia anónima. Se não fosse assim, Isaltino não tinha sido acusado, julgado e condenado a uma pena de prisão de dois anos por fraude fiscal. Já o crime de corrupção prescreveu, apesar da condenação em primeira instância.
Quem enviou os extratos bancários revelou a coragem que David Justino reclama do alto da sua ignorância sobre o tema — mas revelou também muito mais perspicácia do que aquela que Justino demonstrou enquanto foi vereador da Habitação Social de Isaltino Morais.
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