Creches, jardins-de-infância, infantários são instituições que fazem parte integrante e fundamental da vida de muitas famílias portuguesas. A Educação de Infância tem uma dupla função, aliar serviços de cuidados e de educação a crianças antes da entrada na escola primária. Não sendo obrigatória a participação no pré-escolar, há muito que a evidência científica assegura a sua importância. É em contexto de pré-escolar que se iniciam as primeiras aprendizagens.

Nos últimos dez anos, as neurociências vêm reforçar o que o senso comum já intuía relativamente à facilidade com que as crianças aprendem desde os primeiros anos. A arquitetura cerebral das crianças é constituída por uma sequência de “períodos sensíveis” e cada um desses períodos está associado à formação de habilidades específicas, como é explicado no artigo “The Science of Early Childhood Development: Closing the Gap Between What We Know and What We Do”. Significa isto, lê-se neste artigo de 2007, que “uma base sólida nos primeiros anos aumenta a probabilidade de resultados positivos e uma base fraca aumenta as probabilidades de dificuldades posteriores”.

A evidência mostra, por outro lado, que as intervenções educacionais durante os primeiros anos de vida têm retornos mais elevados porque beneficiam precisamente desse pico de sensibilidade cerebral para desenvolver as competências das crianças, como bem explica a OCDE no relatório o “Starting Strong V”, publicado em 2017. Talvez estas duas razões sejam suficientes para entender por que é que a Educação de Infância deve merecer toda a nossa atenção. Não serão razões únicas.

De acordo com o último relatório “Education at a Glance 2017: OCDE indicators”, Portugal está no bom caminho no que concerne à taxa de pré-escolarização, cujo aumento foi descrito como “considerável” por aquela organização. Entre 2005 e 2015, a taxa de pré-escolarização das crianças de três anos aumentou de 61% para 79% e a das crianças de quatro anos de 84% para 90%, o que significa que nas duas idades Portugal está acima da média da OCDE. Nas idades dos cinco e seis anos a universalização já foi conseguida com taxas de pré-escolarização de 97% e 98%.

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Os números mostram o que temos, mas nada dizem sobre o que falta fazer. Importa (re)pensar a qualidade pedagógica e curricular, mas também a oferta da rede pública e privada e apostar em novas políticas que possam aprofundar a relação deste nível de ensino com o 1.º ciclo.

O EDULOG, think tank da Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, reconhece a importância do tema e por isso denominou o ano de 2018 como o ano dedicado ao tema de Educação de Infância. Serão vários os momentos em que se procurará ter uma discussão informada, de base científica, sobre o tema, sendo o pontapé de partida dado já na próxima terça-feira dia 20 de março, com a realização da conferência Edutalks “Educação de Infância: o que temos e o que queremos?”, que terá lugar em Évora.

Atendendo ao impacto de políticas e práticas de Primeira Infância é um imperativo nacional que todos os intervenientes se foquem em implementar o que funciona e produz resultados desejáveis. Infelizmente, o debate político está mais focado nas diferenças ideológicas do que no interesse comum.

A Ciência do Desenvolvimento da Primeira Infância poderá fornecer um espaço neutro para informar o debate e alcançar um consenso em torno de um plano estratégico para o país, sustentado pela investigação e continuamente melhorado. É essencial estar disposto a aprender com o avançar do conhecimento e não ficar preso ao que se criou num determinado contexto. E é essencial não recorrer continuamente ao “apontar dos culpados”, pois uma avaliação em retrospetiva nunca se comparará a quem esteve com a responsabilidade no momento.

Do Reino Unido, chegam dois exemplos de organizações e de redes de parcerias que ambicionam fortalecer as pontes entre quem investiga, quem legisla e quem implementa e aplica práticas e políticas educativas para a primeira infância: a “Early Intervention Foundation” e a “Education Endowment Foundation”. Foi também nesse país que se estabeleceu a primeira “What Works Network”, uma espécie de “Rede do que funciona”, na qual ministérios e institutos de pesquisa científica se unem para informar, com base em evidências, a definição das políticas públicas. Portugal precisa de uma aliança semelhante.

Secretária-geral do EDULOG, think tank da Educação da Fundação Belmiro de Azevedo.
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.