A campanha para a presidência do PSD tem despistado, como é costume, o comentário político. O candidato que todos esperavam que fosse o mais consensual, tem sido afinal o mais radical. E o candidato a quem era atribuída maior propensão para incidentes, foi o que até agora cometeu menos erros e fez mais trabalho de casa. De certo modo, era previsível: Rui Rio, que não quer dizer “jamais” a um Bloco Central, precisava de desfazer a ideia de que ia concorrer para número dois de António Costa, e a Pedro Santana Lopes, estigmatizado pelo governo de 2004, convinha demonstrar segurança e aplicação. O “novo 25 de Abril” deu a Rio uma aura de risco; e um programa de 56 páginas confortou Santana com uma imagem estudiosa.

Os dois candidatos entraram assim no debate televisivo de ontem mais próximos do que se previa: ambos honraram a herança de Passos Coelho, ambos afirmaram a vocação maioritária do PSD, excluindo amparos ao PS, ambos descobriram o crescimento económico, que já Passos exaltava em 2010 como alternativa à austeridade de José Sócrates. Sempre que tiveram de se dissociar de António Costa, parafrasearam-se um ao outro. São de facto, como aliás avisaram, do mesmo partido.

E separaram-se precisamente por causa disso, isto é, por causa das intrigas do PSD. Foi aqui que Rio ficou em desvantagem, ao deixar que Santana o identificasse com um “grupo” (expressão de Santana) ostensivamente desleal aos dois últimos primeiros-ministros do partido, um deles o próprio Santana. Mesmo quando Rio, para justificar esse distanciamento, lembrou a derrota de 2005, Santana imediatamente recordou a derrota muito mais comprometedora do “grupo” de Rio em 2009, dessa vez perante um Sócrates já desencantado. Os dois fizeram assim o favor de nos lembrar a eficiência com que as facções do PSD se desentendem desde 1995, apesar de pensarem as mesmas coisas.

Neste ponto, teríamos concluído que esta eleição do PSD é uma questão de personalidades ou de velhas histórias, não fosse o moderador, Vítor Gonçalves, ter introduzido o tema da recondução no cargo de Joana Marques Vidal, a Procuradora-Geral da República desde 2012. O seu mandato termina em 2018. Esta é provavelmente uma das maiores questões para o regime neste ano. Sob Joana Marques Vidal, o Ministério Público pôde iniciar as investigações mais decisivas da história da democracia. A sua substituição seria fatalmente entendida como um golpe da oligarquia política para dissuadir os magistrados de perturbarem os seus negócios. Em nenhum outro assunto, portanto, deveria vigorar maior circunspecção. Ora, o que vimos ontem não foi isso. Rui Rio permitiu-se criticar o Ministério Público em termos suficientemente equívocos para que, como o próprio a certa altura parece ter sentido, fosse possível confundir o que estava a dizer com o que dizem os suspeitos dos grandes processos para desacreditar a justiça. E Santana Lopes, que até aí marcara o seu adversário sempre que pudera, não o contrariou nitidamente, também ele ofuscado pelos “julgamentos na praça pública”, embora elogiasse o Ministério Público. Que significa isto? Apenas infelicidades de expressão?

Não sei se fui o único a ficar perplexo. Pode a eleição no PSD ajudar a criar ambiente para o fim de uma era na investigação criminal em Portugal? Eis o que era importante que os candidatos esclarecessem, antes de nos tentarem convencer sobre quem, no passado, traiu mais, ou sobre quem, no futuro, vai trair menos.

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