Quem tem razão, Israel ou a Palestina? O que pode ou deve a Europa fazer face a esta nova fase de conflito violento entre Israel e a Palestina? Procuraremos explicar porque é nos parece que o conflito se tem tornado cada vez mais difícil de resolver e o peso da Europa e dos EUA tem sido reduzido.

O que poderia a Europa fazer?

Perante a morte, desde 10 de Maio, de mais de 200 palestinianos e 12 habitantes de Israel (destes 2 emigrantes) o que fazer? Deve a Europa tomar partido por um dos lados? Pode ajudar a resolver o problema ou é irrelevante? A Europa dificilmente terá grande impacto no conflito, mas não é por ser completamente irrelevante. Nomeadamente o conjunto dos países da União Europeia são a principal fonte de financiamento humanitário na Palestina. Portanto, sem os europeus as condições de vida dos palestinianos seriam muito piores. A UE também é o principal parceiro comercial de Israel, representando quase 30% do comércio externo do país. Portanto, se houvesse consenso na UE no sentido de usar de forma assertiva o seu peso económico poderia ter grande impacto junto das partes no conflito, embora a grande custo para as populações locais. Além disso as questões económicas tendem a tornar-se secundárias em conflitos violentos, quando a questão é literalmente de vida ou de morte. E aí a reduzida ação militar da Europa é um problema, não tem grandes garantias de segurança para oferecer às partes em conflito. Em todo o caso, não existe um consenso europeu para uma ação determinada e forte neste conflito.

Uma Europa cada vez mais dividida

A divisão europeia a respeito deste conflito manifesta-se há muitos anos, mas tem-se agravado nos últimos tempos. Há um pequeno grupo de Estados cada vez mais alinhados como Israel, à medida que este foi virando à direita e se foi tornando um parceiro económico e tecnológico mais interessante, como a Hungria ou a Áustria. Há um pequeno grupo de Estados como a Suécia ou a Irlanda cada vez mais críticos de Israel, considerando inaceitável a situação dos palestinianos. A maioria dos Estados europeus estão eles próprios muito divididos. Também por isso a maioria dos Estados, incluindo Portugal, tendem a tomar uma posição de grande prudência face ao conflito. As duas maiores potências continentais europeias são um bom exemplo disso. A Alemanha tem o trauma histórico do genocídio nazi dos judeus europeus, e faz, portanto, questão de não deixar dúvidas sobre o inequívoco direito de Israel a defender-se de ataques violentos, mesmo que expresse preocupação com as condições de vida dos palestinianos. A França, que até foi um parceiro militar crucial nas suas décadas iniciais de existência de Israel, tem a maior população muçulmana e judaica da Europa. Também tem sido alvo preferencial de terrorismo fundamentalista, ao mesmo tempo que mantém intensas relações com muitos países de maioria muçulmana. Também em Paris reina o equilibrismo.

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Pode-se exigir da UE clareza na sua tomada de posição, mas não creio que haja condições para isso, desde logo internas. Mas também, diga-se, porque este é um conflito em que é difícil encontrar lados inocentes.  Convém recordar que “só” há 12 mortos em Israel apesar de mais de 2000 misseis lançados pelo Hamas, por causa da sua capacidade militar, defensiva e ofensiva. E não é crível que, nos mais de 200 palestinianos mortos em ataques israelitas, não exista um único combatente do Hamas e sejam todos civis. Por outro lado, a situação dos palestinianos é uma tragédia não só para eles, é-o também para o prestígio de Israel.

Uns EUA mais divididos também no apoio a Israel

A fragmentação que mais importa no conflito israelo-palestiniano não é, porém, naEuropa. É, desde logo, a que se verifica nos EUA. O amplo consenso em torno do apoio a Israel nos dois principais partidos norte-americanos tem-se degradado. Do outro lado do Atlântico, efetivamente, até os grandes consensos bipartidários tradicionais na política externa têm começado a ficar em questão com a hiperpolarização crescente. Concretamente, na ala esquerda do Partido Democrático do Presidente Joe Biden há cada vez mais críticos de Israel. E mesmo a ala moderada dos democratas, continua a querer apoiar Israel, mas tem cada vez menos paciência para Netanyahu tendo em conta o seu alinhamento com Trump. Não é por acaso que Biden nem sequer nomeou um embaixador para Israel, quanto mais um enviado especial. Biden não deu efetivamente qualquer sinal de querer envolver-se a fundo num conflito em relação ao qual tantos presidentes americanos anteriores tentaram encontrar a paz e falharam.

Porque é que isto importa tanto? Os EUA, apesar de cada vez menos envolvidos no Médio Oriente, continuam a fornecer e financiar biliões de dólares em equipamento militar a Israel. E tão ou mais importante que esse apoio material, é a colaboração íntima ao nível de serviços de informações, bem como o apoio político e diplomático mais amplo  a Israel. Os EUA ainda teriam os meios, se não par impor uma solução de paz, pelo menos para obrigar a um cessar-fogo e a algum movimento diplomático.

A fragmentação política crescente de Israel e da Palestina

A fragmentação que mais importa, porém, é em Israel e na Palestina. Os dois lados neste conflito estão cada vez menos coesos. O que torna cada vez mais difícil acreditar que há um interlocutor forte, credível e legítimo com quem fazer a paz. Em Israel foram 13 os partidos que chegaram ao parlamento nas eleições deste ano. A formação dos governos israelitas tem exigido coligações cada vez mais amplas e contranatura. Na Palestina não houve eleições nos últimos 15 anos. E as que estão prometidas para breve, tudo indica que não darão uma vitória clara a qualquer partido. Este conflito está a ser usado por Netanyahu e pelo Hamas para tentarem recuperar terreno. Para mostrar que seriam os verdadeiros defensores do seu povo. Mas é duvidoso que o consigam de uma forma que altere muito esta tendência fragmentadora, que se exprimiu também em alarmantes e inéditos conflitos violentos nas ruas de Israel entre cidadãos árabes e judeus. Sem interlocutores fortes a nível internacional e local uma paz que exigiria um acordo difícil parece cada vez mais distante.

Para onde vamos?

Será que a Palestina está a caminho de se torno num novo Tibete? Ou seja, uma causa trágica sem fim à vista e que passou de moda. Claramente, a Europa não consegue tomar uma posição coesa e forte. Tudo indica que qualquer posição europeia no futuro próximo sobre o conflito, a ser possível, será mais um consenso fraco sem grande impacto. Do que podemos estar quase certos é que depois de o governo de Israel e do Hamas acharem que podem declarar vitória e se chegar a um cessar-fogo, caberá aos europeus pagar a reconstrução do que foi destruído. Se isso acontecer podemos estar certos de que ninguém agradecerá à Europa.

Bruno Cardoso Reis (no twitter: @bcreis37), historiador, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e João Diogo Barbosa. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.

As opiniões aqui expressas apenas vinculam o seu autor.

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