A Inteligência Artificial (IA) tem vindo a tornar-se uma aposta tanto para empresas nativas digitais (cujo modelo de negócio só faz sentido com base em dados) como para as mais “clássicas”, com algum legacy, que se estão a adaptar à nova era de digitalização e a tentar perceber o potencial que a exploração dos dados pode trazer. Contudo, a IA não é apenas uma tecnologia, mas também um processo de transformação de negócios que requer mudanças processuais e culturais. Este é, aliás, um assunto que não tem sido devidamente percecionado e atacado pelas empresas. Na realidade, 93% das causas para a fraca adoção que estas novas tecnologias têm tido devem-se a pessoas e processos, e apenas 7% a tecnologia. Este é, de resto, um cenário que já se sentia há quatro anos e não se tem alterado. Nesse contexto, é imprescindível capacitar as equipas – que muitas vezes carecem das competências e do conhecimento necessários para lidar com a IA – nomeadamente através de formação.

Um estudo da Gartner revela que, até 2024, 40% de todas as organizações vai oferecer ou patrocinar programas especializados em ciência de dados para acelerar as iniciativas de up-skilling (isto é, aprimoramento de competências), um aumento significativo em relação aos 5% registados em 2021.

Como devemos, então, capacitar as equipas na área de IA? Em primeiro lugar, é essencial abranger todas as camadas da empresa, começando pelos altos cargos executivos, e adaptando o conteúdo à senioridade e ao tipo de função. Leading by example requer que haja uma literacia de dados e de analítica em toda a organização. Embora exista uma base comum de potencial e fundamentos de IA, é importante adequar a profundidade e a ênfase da formação às necessidades específicas de cada nível hierárquico.

No caso concreto dos executivos C-level, o foco destas formações deve estar em como dar vida à IA dentro da organização. Um membro executivo deve compreender os diversos fatores críticos para uma jornada orientada aos dados, de entre os quais se destacam os vários modelos possíveis de governança e de infraestrutura tecnológica. É também importante que compreenda as implicações destas competências na estratégia e os benefícios da implementação da IA, para além da importância de liderar o processo de transformação e de incentivar a adoção generalizada desta tecnologia.

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Por outro lado, perfis de colaboradores ligados às áreas funcionais devem concentrar-se na procura e priorização de oportunidades onde os dados e métodos analíticos avançados possam causar um impacto positivo, e nas melhores práticas para participação nos projetos resultantes. Aqui, inclui-se a importância de definir detalhadamente os requisitos dos projetos de IA, garantindo que eles estejam alinhados com os objetivos e as necessidades específicas do negócio, e a importância de medir resultados. E da importância dos business translators (tradutores de negócio) para este fim. Por fim, num contexto de gestão da mudança, é também importante uma interiorização do conceito de augmentation (ampliação), por complemento à automatização que os dados e o analytics podem trazer.

Já os colaboradores que utilizarão as técnicas de IA nas suas atividades diárias devem obter, na formação, um aprofundamento dos seus conhecimentos de análise de dados e advanced analytics. Neste caso, é fundamental fornecer uma abordagem baseada em casos reais de aplicação bem-sucedida, garantindo assim uma maior compreensão da sua aplicabilidade. Vale a pena ressalvar a importância da fertilização cruzada, ou seja, de fazer o paralelo com casos de uso semelhantes mas de outros sectores. Neste contexto, surge também a possibilidade de re-skilling, ou requalificação, que abrange uma formação de base em dados e analytics para trabalhadores que executam outro tipo de funções. Esta possibilidade é de extrema importância face à procura crescente por este tipo de perfis analíticos.

Neste exercício de identificação das necessidades de formação por equipa, ajuda a construção de um mapa de competências analíticas necessárias por função e uma análise ao grau de maturidade atual, estabelecendo de forma clara os objetivos a alcançar no curto e médio prazo. Adicionalmente, é muito importante a identificação das parcerias a estabelecer neste processo de capacitação.

Mas desengane-se quem ainda pensa que capacitar uma empresa em IA se limita apenas ao aspeto técnico. Pelo contrário. Como complemento à formação técnica, é aconselhável abordar também uma ampla gama de temas, entre os quais gestão de projetos de IA, responsabilidade na utilização da IA (que inclui a garantia que a utilização dos dados e dos métodos analíticos é justa, inclusiva, fiável, privada, segura, transparente e imputável), e adoção e gestão da mudança. Para além disso, não devemos subestimar o impacto de sessões inspiracionais que demonstrem o potencial e incentivem o uso de dados para tomada de decisões mais assertivas. A liderança executiva desempenha um papel fundamental na adoção dessas novas tecnologias, pois o seu exemplo e envolvimento influenciam toda a organização.