A Operação Marquês encarregou-se de mostrar que a diferença de significado entre prescrito e proscrito é bem mais profunda do que a simples troca de uma letra deixava antever. Algo que José Sócrates está a experienciar na primeira pessoa. Com alívio, ainda que momentâneo. No primeiro caso. Com indisfarçável revolta e rancor no segundo.

De facto, a circunstância de o juiz Ivo Rosa ter deixado cair – em breve veremos se de forma acertada – parte substancial da acusação que recaía sobre José Sócrates, assente no argumento de que os atos já tinham prescrito, representou um alívio para o antigo Primeiro-Ministro. Porém, a reação à sentença por parte de vozes do Partido Socialista, como Fernando Medina e Ana Gomes, combinada com o silêncio ensurdecedor de altas figuras do partido, espoletou em Sócrates uma raiva que não conseguiu contar, ao ponto de acusar grande parte dessas vozes de estarem a ajustar contas com “a sua própria cobardia moral”.

Certo é que a reação das figuras do PS, tanto na forma falada como na versão calada, revelou que não se reviam na decisão judicial. Uma forma de dizer que não acreditavam que a prescrição fosse sinónimo de que os factos não tivessem acontecido. É nessa linha de pensamento que deverá ser incluída a decisão de João Cravinho ao vir a público recordar que, em 2006, tinha sido o Governo liderado por José Sócrates a recusar liminarmente o Plano Anticorrupção criado pelo antigo ministro e deputado. Mais disse que, nesse processo, Sócrates tinha tido um comportamento “execrável” e que defendia uma visão política de não combate à corrupção.

Face ao exposto, não é abusivo concluir que, para as bandas do Largo do Rato, José Sócrates passou para a condição de proscrito e que, em oposição ao filho pródigo da Bíblia, não poderá contar com braços abertos para o regresso. Malgrado a subida de cotação dos metais preciosos, o outrora menino de ouro do PS está catastroficamente desvalorizado. Os alcatruzes da nora, talvez por terem estado demasiado tempo no alto, avariaram irremediavelmente aquando da passagem pela parte baixa.

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A subida e queda de José Sócrates levanta a questão sobre a forma como, na conjuntura atual, escolhemos as lideranças. Será que, como afirma Paulo Finuras (2018), ainda continuamos a depositar a nossa confiança no Grande Homem? Uma reminiscência da vivência tribal. A cidade a tomar o lugar da savana. A incerteza económica e a precariedade laboral e social a assumirem o papel outrora desempenhado em nome da luta pelo alimento que garantia a sobrevivência.

Tendo em conta os dados relativos à mais recente edição do Índice de Democracia do The Economist, a resposta à questão colocada inclina-se no sentido de o nosso cérebro continuar a pensar de forma muito semelhante à fase em que foi moldado. Talvez não seja abusivo dizer que a crise pandémica só veio agravar a situação já muito periclitante de uma grande parte da população mundial. Um paraíso para as lideranças totalitárias e autoritárias. Um campo fértil para o populismo, tanto na versão socioeconómica, como nas modalidades antissistema e cultural. Situação que ajuda a explicar a existência no mundo de 57 regimes autoritários e de 35 países com regimes híbridos, um eufemismo destinado a esconder a palavra ditadura.

Para que conste, a tríade negra da liderança assenta no narcisismo, no maquiavelismo e na psicopatia. Deixando a última das caraterísticas para quem tem formação em Psicologia e Psiquiatria, não parece difícil identificar as duas caraterísticas iniciais na totalidade das lideranças ditatoriais e populistas. A única diferença reside na circunstância de, nos países democráticos, os líderes autoritários, raras vezes se alguma, morrerem na cadeira do poder.