Desde o dia 13 de março que a situação pandémica veio mudar o paradigma da sala de aula e da integração da tecnologia na educação, um assunto que tem sido fonte de discussões ao longo dos últimos anos. A impossibilidade de os alunos estarem fisicamente nas escolas veio acelerar a utilização da tecnologia nas escolas, sendo essa a única ferramenta possível para a continuação do ensino, a par do envio de fichas de trabalho.

No entanto, não devemos confundir a integração da tecnologia e a melhoria da qualidade na educação com a pura utilização da tecnologia para transmitir aulas expositivas.

A necessidade de adequar os tradicionais métodos de ensino à realidade dos atuais alunos é urgente: é importante ajustarmos os modelos de educação aos alunos do século XXI, que terão empregos que ainda nem existem; aos alunos que vivem com tecnologia desde que nasceram, não sendo coerente aprender sem recurso a apps e à internet, que dominam na perfeição; aos alunos que necessitam não só de adquirir conhecimentos, mas também de desenvolver competências que lhes permitam aprender a aprender e que os ajudem a atingir o sucesso profissional e pessoal para o percurso que cada um traçar para si mesmo.

Não podemos também esquecer que a escola deve, cada vez mais, potenciar ao máximo as capacidades de cada aluno, conhecendo cada um e individualizando os seus planos educativos. É dever das escolas potenciar a interdisciplinaridade de forma a que as aprendizagens ganhem sentido prático, que se aproximem o mais possível de casos reais, para que os alunos desenvolvam o pensamento crítico, a criatividade e a capacidade de resolução de problemas. Hoje, as escolas devem procurar o equilíbrio entre o ensino de conhecimentos e o ensino de competências, ao mesmo tempo que integram a tecnologia para potenciar as aprendizagens.

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Assim, utilizar a tecnologia para dar aulas virtuais é diferente de integrar a tecnologia ou de dar um passo em frente na melhoria da qualidade do ensino e da sua adaptabilidade aos alunos do século XXI.

Utilizar a tecnologia como mero canal de transmissão de aulas expositivas – de qualidade claramente inferior às aulas presenciais por não permitir perceber os sinais emotivos dos professores e alunos – é uma perigosa e falsa evidência de evolução. Antes pelo contrário, é um passo atrás. Para podermos considerar um passo em frente é necessário integrar a tecnologia, não somente utilizar as ferramentas de vídeo. É necessária uma reflexão sobre como se pode potenciar a tecnologia para tornar as aulas à distância melhores para todos os alunos.

E como podemos fazer isto? Nas aulas virtuais é necessário um novo planeamento, adaptado e diferente das aulas presenciais. É essencial promover a metacognição, um processo pelo qual os alunos refletem e eles próprios monitorizam a sua aprendizagem: a forma como aprendem, como percebem e como resolvem problemas. A metacognição, essencial nos dias de hoje e principalmente num ambiente de aulas virtuais, é a competência que permite ao aluno desenvolver um processo de pensamento complexo sobre a sua própria aprendizagem e que lhe permite atingir um objetivo. Para isso, é importante que, numa aula virtual, os alunos sejam parte integrante da aprendizagem, com objetivos claros de aprendizagem, tarefas que os levem a verificar que estão a aprender e que permitam ao professor perceber que os conhecimentos e competências estão a ser apreendidos por cada um dos seus alunos. Para este efeito, há determinadas ferramentas ao nosso alcance, como questionários online, jogos ou concursos que podem ser vividos durante a aula.

A motivação e o envolvimento dos alunos numa aula virtual são um enorme desafio, mas essencial para garantir a qualidade da aprendizagem. Para isso, existem algumas técnicas, como promover comentários constantes por parte do professor e promover a discussão entre o grupo; criar pequenos grupos de discussão, observando quem não está a participar e encontrar estratégias para incluir estes alunos; determinar objetivos por aula ou por semana para os alunos, verificando o cumprimento dos mesmos e celebrando quando os alunos os atingem com sucesso; criar questionários ou pequenas avaliações no fim de cada aula ou tema para verificar que as aprendizagens foram concluídas, e fazer comentários para os alunos poderem, cada um ao seu ritmo, melhorar nas áreas menos desenvolvidas.

Adicionalmente, uma ferramenta muito útil para as aulas virtuais é o envio de material para os alunos prepararem para as aulas seguintes – o conceito de flipped classroom permite que todos os alunos estejam envolvidos na aprendizagem pois, ao contrário do sistema tradicional de primeiro aprender os conceitos nas aulas e depois trabalhar em casa, os alunos investigam a matéria primeiro individualmente para depois debaterem os conceitos em grupo.

A forma de avaliação é também fundamental para se utilizar a tecnologia como um passo em frente: para manter a motivação é essencial que os alunos percebam e recebam feedback ao seu progresso nas aulas virtuais – um aluno que não liga a câmara e não recebe feedback pode estar meses sem aprender nada. Para uma avaliação sumativa existem também ferramentas que permitem os alunos fazerem testes e, assim, dar significado e progressão aos critérios de avaliação.

Tudo isto é uma evolução também para os professores que precisam de suporte, apoio e formação para que tenham a confiança necessária para dar este passo em frente. Pensar nos professores, no que estes necessitam para evoluir, é indispensável para o sucesso da educação. Os professores foram e continuam a ser uns heróis que tiveram de se adaptar em menos de nada e sem aviso prévio e, mesmo assim, garantir a educação dos seus alunos. Para utilizar esta situação como potenciador da evolução da educação, é necessário reconhecer que os professores são o motor do sistema e, por isso, proporcionar-lhes formação que os ajude e lhes dê suporte para dar o passo em frente.

A tecnologia oferece ferramentas (muitas vezes englobadas nos próprios softwares de vídeo utilizados) extremamente poderosas para melhorar a qualidade da educação e para potenciar ao máximo as capacidades de cada aluno, mas só através da verdadeira integração é que conseguimos atingir este objetivo. A pura utilização de plataformas de vídeo para transmitir aulas é uma falsa sensação de evolução e um passo atrás na qualidade das metodologias de ensino.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.