A Comissão Técnica Independente (CTI) agradece a participação do Dr. António Coutinho no processo de consulta pública, tendo o seu comentário, publicado através do artigo de opinião “Aeroporto de Lisboa, 2050 – e se não forem 84 milhões?”, de 9 de janeiro deste ano, recebido a maior atenção por parte desta comissão.

As questões que nesse artigo suscitou podem ser sintetizadas em três pontos: o método seguido para determinar os valores de procura; a inverosimilhança dos valores projetados; e as condicionantes que considera não terem sido acauteladas no processo de projeção, nomeadamente, a questão do impacto da redução de emissões e os custos dos voos.

Primeiro será necessário enquadrar o objetivo da CTI e de como os estudos de procura se integram nesse objetivo. O principal objetivo do trabalho da CTI consiste na avaliação de um conjunto de opções estratégicas para o aumento de capacidade do sistema aeroportuário da região de Lisboa, em relação à forma como melhor representam o interesse público. Por isso, as previsões de procura de transporte aéreo pretendem fornecer um leque de valores estimados de procura aeronáutica para serem considerados em diversos fatores de avaliação das opções estratégicas, tendo em atenção a capacidade, os custos e as dificuldades associados a que cada uma das opções tem de responder adequadamente. Em particular, estes valores servem de base para outros estudos no âmbito deste projeto global, nomeadamente das análises de custo-benefício, como é bem referido no relatório da TIS.

É também importante relembrar que o horizonte deste estudo não é o ano de 2050, mas sim 2086. Assim, a avaliação não se baseou apenas em projeções, mas também numa visão estratégica de evolução progressiva para um hub intercontinental, tal como estabelecido na Resolução de Conselho de Ministros 89/2022 de 14 de outubro, e que possa ter um período de vida nunca inferior a seis décadas.

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Respondendo especificamente às questões que são levantadas:

  • A primeira é relativa à metodologia seguida para a determinação dos valores de procura, onde se refere que a procura prevista resulta de uma aplicação simples de taxas de crescimento de organismos externos.

A metodologia seguida pela TIS para a projeção temporal da procura no aeroporto de Lisboa no horizonte definido, 2086, na realidade teve por base as informações disponibilizadas por diferentes entidades internacionais de referência e que são utilizadas recorrentemente em exercícios desta natureza, tal como explicitado no relatório do Anexo 2 do PT1 (páginas 5 e seguintes). Tendo em conta os horizontes adotados para as projeções de procura e o conhecimento profundo do setor e da existência de equipas especializadas dedicadas apenas à questão da evolução do tráfego aéreo em cada uma dessas organizações, optou-se pela análise das previsões produzidas por cada uma delas, certamente tendo em conta todas as variáveis macroeconómicas relevantes, quer a nível global, quer a nível de cada continente.

Um facto importante, e não contemplado em qualquer das projeções dessas organizações, é que desde 2013 a taxa anual de crescimento do tráfego aéreo nos aeroportos portugueses (e no de Lisboa em particular) tem sido cerca de duas vezes mais forte que na Europa em geral, e entre 2,2 e 2,5 vezes maior que no Sudoeste Europeu, pelo que não faz sentido adotar para o caso em estudo as taxas de crescimento apontadas nas projeções daquelas organizações para a Europa no seu todo. Também não é esperável que esse rácio de taxas de crescimento se mantenha indefinidamente, pelo que se admitiu que ocorreria até 2050 a convergência das taxas de crescimento do tráfego aéreo verificadas em Lisboa com a taxa média europeia.

A partir da consulta das projeções das várias organizações internacionais credíveis foram escolhidas duas intergovernamentais, e realizando uma média ponderada entre elas, com os pesos calibrados para que o valor da projeção em 2050 correspondesse ao nível de crescimento da economia que nos colocasse no valor médio de riqueza da União Europeia, tal como foi referido anteriormente, como convenientemente explicado no referido relatório (páginas 10 e seguintes).

  • São também colocados em dúvida os valores do Eurocontrol utilizados para Portugal. Na verdade, quer o Eurocontrol quer a ICAO realizam projeções à escala continental e para regiões sub-continentais para horizontes de projeção mais longos, tendo sido utilizados como referência os valores da sub-região onde nos encontramos, o Sudoeste europeu. No entanto, é referido que o valor deveria ser de 0,8%, uma vez que na página 7 do estudo Eurocontrol Aviation Outlook 2050, surge aquele valor de crescimento médio anual até 2050 para Portugal. No entanto, no mais atualizado Eurocontrol Forecast Update 2023-2029, associados a Portugal encontramos valores entre 2,4% e 6,2% de crescimento médio anual para aquele período de sete anos, completamente dissonante do que é referido no relatório anterior do Eurocontrol.
  • É ainda referido que não será previsível o aumento da capacidade das aeronaves. Na verdade, o que se tem observado é o aumento do número de passageiros por movimento que é o resultado do aumento da capacidade das aeronaves e das taxas de ocupação (cf. AIRBUS, Global Market Forecast 2022-2041 e Boeing, Commercial Market Outlook 2022-2041).
  • Os valores de procura são inverosímeis e pouco sensatos?

Estudos anteriores, como o Estudo para a Análise Técnica Comparada das Alternativas de Localização do Novo Aeroporto de Lisboa na Zona da Ota e na Zona do Campo de Tiro de Alcochete, em 2008, já previam valores de procura de 19 milhões de passageiros por ano para 2017, de 21 milhões para 2020, 22 milhões para 2022, de 27 milhões para 2030 e de 36 e 43 milhões de passageiros por ano para 2040 e 2050, respetivamente. Note-se que o valor calculado para 2017 foi atingido em 2015, dois anos antes do previsto, e que os 27 milhões previstos para 2030, foram atingidos em 2017, treze anos antes do previsto.

Outros estudos mais recentes apontam para valores de procura mais elevados. O estudo da Roland Berger de 2016, para a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), indicava uma procura previsível de 50 milhões de passageiros por ano na Região de Lisboa para 2050. O estudo de 2022 para a Confederação do Turismo de Portugal, integrando já a informação relativa à redução de procura associada à situação pandémica, adiantava uma procura de 40 milhões de passageiros ano para 2035. Os estudos do consórcio Magellan consideraram uma procura de passageiros para o futuro aeroporto de 40 milhões de passageiros em 2032 e de 71 milhões em 2050. Os recentes valores conhecidos relativos ao ano de 2023 permitem considerar que terão sido atingidos os 33 milhões de passageiros no aeroporto Humberto Delgado, ultrapassando os valores de 2019.

  • A comparação da situação de Lisboa com os aeroportos de Heathrow, Londres, de Charles de Gaulle, em Paris, ou de Frankfurt é no mínimo abusiva ou incorreta.

Na verdade, a cidade de Londres é servida não apenas por Heathrow, mas também por Gatwick, Stansted, Luton e London City. No conjunto, em 2019, transitaram neste sistema mais de 179 milhões de passageiros, muito longe dos valores projetados para Lisboa. Em 2000 esse valor foi de 116 milhões, ou seja, ocorreu um crescimento de 62 milhões de passageiros em 19 anos.

A situação de Paris é semelhante, embora a cidade seja servida apenas por dois aeroportos, o de Charles de Gaulle e o de Orly. Em 2019, o total de passageiros transitados nestes dois aeroportos atingiu mais de 148 milhões de passageiros, tendo em 19 anos aumentado mais de 75 milhões de passageiros.

O caso de Frankfurt é diferente dos anteriores uma vez que a prestação do serviço aeroportuário para a Alemanha não é em rede, como no caso de Londres, nem dual, como no caso de Paris, mas sim num sistema suportado em dois hubs em cidades diferentes, Frankfurt e Munich, devendo, por isso, serem analisados em conjunto. Neste caso, em 2019, os passageiros ascenderam a 118 milhões, 70 milhões em Frankfurt e 48 milhões em Munich. Em 2000 o número de passageiros foi de 72 milhões, tendo o aumento sido de 46 milhões em 19 anos.

Desta forma, ao contrário do que é dito, os 84 milhões de passageiros previstos para Lisboa em 2050 estão bem longe dos valores de Londres de há 20 anos atrás e próximos dos valores de Paris e de Frankfurt/Munich em 2000. Ou seja, Lisboa atingiria os valores destes dois sistemas com um desfasamento de 50 anos e longe, mesmo no cenário de crescimento mais forte, da situação de Londres em 2000, pelo que afirmar que foram apontados para o aeroporto de Lisboa valores idênticos aos de Londres, Paris ou Frankfurt não faz qualquer sentido.

  • A relação entre o número de turistas e o número de habitantes é um elemento importante para se perceber da aceitabilidade dos valores projetados. Em 2019, a relação turística era de 6 para 1 em Lisboa, enquanto no Porto era de 9 para 1 (cf. https://www.holidu.co.uk/magazine/european -cities-overtourism-index). Se admitirmos o crescimento previsto pelo INE para a população da AML para 2050 e os valores projetados do número de passageiros no cenário central, aquele passaria a ser de 15 para 1, o que, em 2019, corresponde a uma situação (que já ocorre) entre a posição de Reiquejavique (16) e Florença (13) (Cf. Anexo 2 do PT1, 14-15).
  • O desenvolvimento de um hub intercontinental em Lisboa constitui um desejo expresso na Resolução de Conselho de Ministros 89/2022 e que tem vindo a ser assumido em Lisboa, representando já hoje 23% do movimento de passageiros. Esta função, e a importância que o movimento de passageiros não nacionais no aeroporto de Lisboa apresenta, e que se prevê se mantenha, faz exceder largamente a capacidade local de gerar viagens, tal como o exemplo de Schiphol, nos Países Baixos.
  • A referência à evolução da aviação sustentável não se encontra referida no relatório. Como já foi dito, as projeções das organizações intergovernamentais, nas quais se baseou o estudo da TIS, já terão tido em conta essa e outras evoluções à escala macro. Além disso, uma leitura independente e rigorosa do Anexo 7 do PACARL (PT2) (22 páginas) permite perceber que a transição energética foi tratada na perspetiva da infraestrutura aeroportuária. Este é o propósito do documento.

O documento apresenta o contexto da matriz energética a nível europeu, e a evolução da eficiência energética na aviação. É enfatizada a importância da diversificação energética, a regulamentação europeia, e os objetivos estratégicos já estabelecidos e aos quais Portugal terá que aderir. O documento apresenta, com referências detalhadas, um conjunto de medidas práticas que têm vindo a ser testadas e propostas pela indústria, com a sua respetiva avaliação e expectativa de resultados e impactos. Estes dados estão na origem da fixação de objetivos que a Comissão Europeia estabeleceu para o setor da aviação nos próximos anos.

No capítulo 3 desse documento são referidas 6 macro medidas que constituem as principais ações que os aeroportos estão a desenvolver, algumas em estado já de implementação, outras em estado de experimentação. O SAF é uma das medidas incluídas neste conjunto, sendo a que já está implementada, e incluída na utilização regular das companhias aéreas. É correto que há limitações fortes para a produção de SAF, problema que foi também contemplado neste documento, no Anexo 7 do PACARL (PT2) pg 10 e 11, e no respetivo anexo, onde se trata da utilização de recursos e tecnologias diversas para a produção de combustíveis líquidos.

Portanto o anexo 7 do PACARL, dedicado à transição energética cumpre integralmente o propósito de elencar todas as possibilidades tecnológicas existentes, a considerar numa infraestrutura aeroportuária, o seu potencial, e respetivo estado de desenvolvimento, as posições das principais entidades da indústria relativamente à transição energética, e as decisões de carácter regulamentar.

Cabe ainda assinalar que as frases citadas no ponto 1 do comentário recebido não constam do Anexo 7 do PACARL, e o parágrafo de onde foram extraídas as mesmas nada tem a ver com transição energética. Estamos, portanto, perante uma confusão de referências que o autor deste comentário terá feito.

  • A competição com outros modos de transporte. A competição com outros modos de transporte, nomeadamente a competição com a Alta Velocidade Ferroviária é abordada no relatório do Anexo 3 do PT1, onde são avaliados os efeitos da introdução dos serviços ao Porto e a Madrid. Por outro lado, apenas os voos domésticos de ligação ao Porto poderão ser afetados por esta concorrência, uma vez que os voos para as ilhas, que representavam 2/3 do tráfego doméstico em 2019, dificilmente poderão ser substituídos por outro modo de transporte que não o aéreo. Não faz sentido imaginar que a competição com ferrovia, mesmo com ligações de alta velocidade, pode vir a afetar significativamente o tráfego aéreo com outros destinos europeus que não Madrid, mas, mesmo nesse caso, o melhor tempo de trajeto ferroviário já conhecido entre as duas capitais (cerca de 5 horas) certamente não conduz a transferências modais relevantes.
  • A incerteza do resultado da privatização da TAP foi reconhecida como uma das incertezas associadas à evolução da procura aeroportuária na Região de Lisboa (cf. Anexo 2 do PT1, pg. 2). No entanto, se o resultado da privatização da TAP poderá condicionar a procura futura, também é verdade que o futuro da capacidade aeroportuária na Região de Lisboa condicionará igualmente o valor económico e estratégico da companhia aérea nacional para qualquer um dos candidatos à sua privatização. Aqui foi assumido seguir o sentido das declarações políticas de pretender desenvolver um hub intercontinental em Lisboa, suportado na atividade da TAP.

Este texto reflete a posição de todos os membros que integram a CTI: Maria do Rosário Partidário; Nuno Marques da Costa; Rosário Macário; Paulo Pinho; Teresa Fidelis; Fernando Alexandre; Raquel Carvalho