Decorrem agora 30 anos, desde que no dia 3 de Outubro de 1990, a República Democrática da Alemanha, mais conhecida como RDA, se aboliu a si mesma como Estado soberano. Quarenta e cinco anos depois do seu fim em termos militares, a reunificação alemã foi o derradeiro acto da II Guerra Mundial em termos políticos. Com o fim da RDA, terá também terminado o período conhecido como Guerra Fria.
A RDA é o segundo Estado na história da Alemanha a ser abolido, depois da Prússia o ter sido, de facto em 1932 e oficialmente em 1947.
A integração da RDA na República Federal, decorreu de modo algo confuso e politicamente complicado. Começou com a demissão do presidente do Bundesbank perante a perspetiva dos enormes subsídios que teriam de ser concedidos à RDA (e foram mesmo enormes) para assegurar a paridade prometida de 1:1 entre o Deutsche Mark ocidental e o oriental (tal proporção, na realidade e na melhor das hipóteses, seria de 1:5). Acresce a isto, perante tantas divergências e incertezas, como refere o historiador James Hawes (Breve História da Alemanha), que “a reunificação ocorreu a 3 de Outubro sem que nenhum dos lados, Leste ou Ocidente, chegasse a votá-la.” Na verdade, o que se votou a 3 de Outubro no Parlamento da RDA foi a extensão da Lei Básica da Alemanha Federal aos territórios da Alemanha Oriental. Os factos e a política fizeram o resto. Como foi isto possível? Com o beneplácito de Gorbachev e de Mitterrand. O primeiro pretendia o apoio da Alemanha à empobrecida União Soviética em desagregação. O segundo pretendia, e conseguiu, que a Alemanha trocasse, no futuro, o Deutsche Mark pelo Euro.
O processo de integração, melhor dito de absorção ou anexação da RDA na República Federal, se foi um processo pacífico em termos militares, no âmbito social e laboral foi um período doloroso e complicado, que criou muita angústia e desemprego.
Integrar uma economia socialista planificada, como existia na RDA, num sistema capitalista de grande competitividade, como o da Alemanha Federal, não seria de certo, tarefa fácil. Os alemães da zona ocidental, apesar de moralmente não se poderem opor à integração dos seus nacionais de Leste, o facto é que não se mostraram nem entusiasmados, nem disponíveis para fazer sacríficos por isso. Anos mais tarde, durante a crise de 2008, a reacção do Bundesbank e dos alemães em relação e à subsidiação da Grécia, país estrangeiro, mas membro UE, não foi muito diferente da que tiveram em relação à subsidiação dos seus próprios nacionais de Leste em 1990. Esta constatação não é um fenómeno alemão. Dessa mesma “solidariedade” se queixam os flamengos da Bélgica, na subsidiação permanente da Valónia, ou os catalães, em relação à Estremadura ou outras zonas mais pobres de Espanha.
Dentro da frugalidade institucional e apesar da sua economia ser débil, a indústria antiquada e poluidora, bem como a qualidade de serviços ser insuficiente, os cidadãos da RDA não tinham uma vida miserável, nem passavam fome. Tinham, aliás, sistemas de ensino e de saúde de muito bom nível. No entanto, os alemães da RDA, a maior parte já nascidos no pós-guerra, não possuíam qualquer contacto ou experiência do tipo de vida corrente na Europa Ocidental. Exemplo interessante disso, pode encontrar-se num documentário sobre este período na Alemanha, disponível na Netflix e que se aconselha vivamente (Rohwedder – Um Crime Perfeito), no qual uma cidadã da RDA, após a integração, questionava sobre a necessidade de haver 60 marcas de iogurte. “Na RDA tínhamos dois, um com sabor a morango e outro sem sabor algum. Para quê precisar de mais?”, perguntava.
A Alemanha Federal quis, de certo modo, fazer um novo milagre: repetir em condições completamente diferentes o sucesso alemão do pós-guerra na agora extinta RDA. Citando ainda James Hawes, “com salários, subsídios e pensões colocados na quase paridade com o Ocidente, os alemães orientais resolveram ficar onde estavam. Sendo, porém, a produtividade tão mais baixa aí, e após décadas de não investimento, as empresas não conseguiam concorrer. E assim, a Alemanha Ocidental teve de pagar a conta”.
De facto, na história recente da Alemanha, o único período desde a unificação em 1871, no qual a parte ocidental do país não teve de subsidiar a parte oriental (a Élbia), foi exactamente durante a existência da RDA, retomando essa velha obrigação a partir de 1990. Uma anedota ainda hoje corrente entre os alemães, é que a diferença entre um turco e um Ossi (alemão oriental) é que o turco fala alemão e trabalha.
Porque a história é tudo menos previsível e linear, a salvação da Alemanha deste imbróglio em que se meteu, na integração da RDA com paridade entre o Deutsche Mark e o marco oriental – estamos a falar de integrar 17 milhões de “novos cidadãos” -, não foi nenhum milagre. Foi algo mais terreno e surgiu, afinal, daquilo a que a própria Alemanha começou por torcer o nariz e quase lhe foi imposto: o Euro. É a moeda única, que tendo um câmbio muito mais baixo que teria o Deutsche Mark se hoje existisse, que tornou a Alemanha, com os seus excelentes produtos, numa enorme potência exportadora competitiva e (a par da Holanda) a maior beneficiária da moeda única. Na integração da RDA na Alemanha Ocidental, milagres à parte, é seguro que Deus escreveu direito por linhas tortas.