Para se pertencer ao clube dos “suspeitos do costume” é indispensável possuir algum currículo, nomeadamente a capacidade de ser suspeito crónico sem nunca ter sido julgado. No filme Casablanca de 1942, o polícia francês colaboracionista Louis Renault inquirido por um oficial alemão, sobre o que tinha feito a respeito do assassínio de um sujeito de interesse para os alemães, resolveu liminarmente a questão, informando que já havia prendido os suspeitos do costume.

Os suspeitos do costume têm os seus hábitos e gostam de os manter ao longo da vida. No Casablanca, que é cinema, frequentavam o bar do Rick, mas na vida real podem ter outras opções. Vejamos um exemplo.

Em 1994, foi fundada a Portugal Telecom, que resultou da fusão de várias empresas, entre elas a Marconi e os TLP, sendo esta última uma entidade de serviço público detestada pelos portugueses, pela arrogância e mau serviço que prestava. O futuro parecia promissor.

A Portugal Telecom juntou-se em 2003 à Telefónica espanhola e ambas criaram no Brasil uma empresa designada Vivo, através da integração de vários operadores menores, tendo esta nova companhia a ambição de angariar 17 milhões de clientes e 48% do mercado brasileiro de telemóveis à época.

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Como os casamentos de conveniência têm tendência para durar pouco, a Telefónica espanhola quis livrar-se da parceria com a PT na Vivo, o que aliás satisfazia boa parte dos acionistas da PT, dada a mais valia choruda que essa operação lhes rendia. Tudo estaria acordado, não fosse um titular de 500 acções se ter oposto ao negócio. Reza a história que o então primeiro ministro José Sócrates, munido da participação simbólica da CGD no capital da PT, vetou o negócio, ao que fez constar para que a PT não saísse do mercado brasileiro, pois era do interesse nacional mantê-lo. E qual foi então o modo encontrado para vender a participação da PT na Vivo, mantendo o dito interesse nacional?

A PT vendeu à Telefónica por 7,5 mil milhões de euros os 50% que detinha na Vivo e com parte desse dinheiro, comprou por 3,7 mil milhões de euros, 22% de outra operadora brasileira, a Oi, garantindo assim o tal interesse nacional na presença no Brasil. Com o hábito imutável de fazer dos portugueses estúpidos, o dito interesse estratégico passou por vender 50% duma operadora de dimensão, para possuir 22% dum under dog. Algo como trocar o Benfica pelo Estrela da Amadora, sem ofensa.

Tudo isto era tão pouco razoável que o Ministério Público iniciou uma investigação ao envolvimento político no negócio de venda da PT na Vivo e na compra da posição na Oi. Entre os suspeitos do costume, logo apareceu à cabeça, o brasileiro José Dirceu, por acaso antigo chefe da Casa Civil de Lula e um dos protagonistas do chamado Mensalão. Falou-se na altura em 200 milhões de euros em comissões distribuídas por governantes, acionistas e dirigentes de topo das empresas. Notícias posteriores disto, nenhumas.

Numa época em que fazer o papel de capacho da PT era quase uma moda nacional, esta prosseguiu a sua ronda de negócios pelo império e avança para Angola, onde naturalmente o estilo dos parceiros não poderia diferir muito dos que escolheu no Brasil. A PT detinha uma participação de 25% na operadora angolana Unitel de Isabel dos Santos (outro suspeito do costume, quem mais haveria de ser), participação que aliás entregou à Oi por baixo valor em 2014. Acontece que enquanto dona da Unitel, Isabel dos Santos recusou pagar dividendos à PT, apesar de ter construído a Unitel à custa do Know how daquela.

Como escrevia Filipe Alves no Diário Económico em 31 de Janeiro de 2020 “Esta participação que a PT entregou à Oi em 2014 com desconto na avaliação (…) foi vendida à Sonangol por 1000 milhões de dólares. Após este negócio, os gestores da Oi, pretendem pagar a si próprios um bónus de 100 milhões de reais.” Outro bom negócio para os suspeitos do costume.

Embalados por tanto êxito, faltava a cereja em cima do bolo de todos estes fantásticos sucessos. Assim, antes que outros se lembrassem de fazer tão excelente negócio, a PT, através de subsidiárias, adquiriu em 2014, 897 milhões de euros de papel comercial da Rio Forte, uma entidade obscura do Grupo BES. Ao invés do pensionista idoso, a quem disseram que o papel comercial era dívida do Banco, os suspeitos do costume bem sabiam que não era. Apesar disso compraram o lixo e, claro, esse dinheiro foi perdido para todo o sempre. Em “julgamento de tabacaria” chamar-se-ia a isto gamanço, mas os suspeitos do costume andarão por aí entre o Tribunal da Relação e o Tribunal Constitucional.

Depois desta espantosa gestão, os resíduos da PT foram adquiridos por uma tal Altice, de origem francesa. Talvez ingenuamente convencidos de que, depois de tudo isto na PT, agora designada Altice, os donos se dedicariam finalmente a ganhar dinheiro com seu objecto social. Afinal isso revelou-se bom demais para ser verdade. Notícias recentes referem que alguns acionistas estão indiciados por fazerem aquisições de património imobiliário da empresa através de off shores e testas de ferro, ou seja, negócios consigo próprios em prejuízo da empresa, tudo no melhor estilo da velha PT.

Dizia Rui Ramos, num dos seus programas de quarta-feira na Rádio Observador, que um filme ou série sobre História, para ter êxito, ou mete nazis ou mete faraós. No business as usual, que é a marca da PT há muitos anos e de que este último caso é apenas mais uma sequela, os suspeitos do costumes, que não se interessam por História mas por dinheiro, metem no elenco outras personagens, que garantem o êxito: as off shores e os testas de ferro.

Com os negócios em Portugal e os “investimentos” no Brasil e em Angola, a PT, para os suspeitos do costume, foi sempre uma espécie de vaca do império. O império, claro que é imaginário, mas que a vaca continua a produzir leite, isso é inquestionável.