No seguimento do processo eleitoral, que ocorreu a 6 de outubro, o jornal The Lancet publicou, no dia 12, um artigo que tece fortes recomendações a António Costa para fazer da Saúde uma das prioridades na sua legislatura.

The Lancet é um jornal científico de referência, conhecido internacionalmente pelos artigos de elevada seletividade e qualidade, pelo que as suas recomendações face aos problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que já não são novidade aos olhos dos portugueses, não podem continuar a passar despercebidas.

O artigo refere, de forma breve e geral, alguns dos fatores que requerem atenção imediata no SNS português e incita à resolução dos problemas que o afetam.

Infelizmente, não precisamos de subscrever uma reputada revista científica internacional para constatar que algo de errado se passa. Estes problemas são destacados diariamente na comunicação social nacional e denotados pelos cidadãos que recorrem ao SNS e pelos que nele e para ele trabalham.

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As perguntas a que é necessário responder são:

  1. Irá finalmente António Costa fazer da Saúde uma prioridade na próxima legislatura?
  2. Deverá fazer dela “A Prioridade”?
  3. Como é que se coloca o Sistema de Saúde em primeiro lugar?

Ainda que, no terreno, existam vários atores a procurar tornar o SNS melhor dia-após-dia, a resposta à primeira pergunta depende apenas do próximo elenco governativo. Mas para as duas perguntas seguintes, como representante dos estudantes de medicina, como futuro médico e como cidadão, tenho uma opinião bem clara e inequívoca.

1 Para o SNS ser “A Prioridade” é necessário investimento.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a despesa pública na Saúde diminuiu entre 2000 e 2017. Somos adeptos de boas contas e de sustentabilidade financeira, contudo o Sistema público de Saúde não é, nem deve ser, lucrativo, pelo que a “despesa” neste setor significa, na verdade, um investimento na qualidade de vida e na saúde dos cidadãos.

Ora, melhores cuidados de saúde prestados à população significam maior esperança média de vida e melhor qualidade de vida. Não podemos continuar a ignorar que a promoção da saúde e a prevenção da doença são um investimento que promovem a menor incidência de doenças crónicas e evitáveis, contribuindo para a redução do gasto em tratá-las. Todos estes fatores traduzem-se num maior número de cidadãos saudáveis e mais população ativa que gera riqueza para o país, que recorrem menos aos cuidados de saúde e que não sobrecarregam o Estado com despesas sociais.

Por isso, uma menor despesa pública entre 2000 e 2017 significa, na verdade, um menor investimento e consequentemente um aumento de despesa por todos os fatores referidos.

2 Para o SNS ser “A Prioridade” é necessário um planeamento dos recursos humanos.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal tem o 3.º maior rácio de médicos por cada 1.000 habitantes (4,8) e o 5.º maior em médicos formados por cada 100.000 habitantes (15,9).

Estes são números dos quais nos devemos orgulhar, uma vez que mais médicos em formação e mais médicos em exercício significa maior “massa cinzenta” pronta para acudir qualquer um, em qualquer situação, em qualquer ponto do país.

No entanto, segundo o Relatório Social do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde, o SNS tem um rácio inferior a metade do valor nacional (4,8) tanto nos Hospitais (2,25) como nas Unidades Locais de Saúde (2,18) pois o valor anterior conta com os médicos que trabalham tanto no SNS, como no setor privado e social. Para além disso e em oposição ao elevado número de graduados em Medicina, cerca de 30% dos candidatos à especialidade não obtém uma vaga e, portanto, não chega a ser especialista, contribuindo, assim, para o aumento dos médicos sem especialidade, contratados nas urgências e cada vez mais noutras funções como tarefeiros que fazem disparar a despesa pública (105 milhões de euros só em 2018) através da prestação de serviços de saúde ao estado, devido à falta de profissionais acima referida.

Sejamos claros, para aliciar os profissionais para o SNS, sem o recurso a uma atitude ditatorial, é necessário:

  1. Promover condições de trabalho estáveis e dignas que estimulem o trabalho em equipa;
  2. Tirar o melhor partido das técnicas e equipamentos inovadores que estão em falta atualmente e dos profissionais capazes bem como da sua troca de conhecimentos;
  3. Promover a formação de médicos especialistas e qualificados, a progressão na carreira e o reconhecimento profissional.

Por oposição, recordemos que os relatórios da Região Europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS) para um desenvolvimento sustentável e uma agenda para 2030 denunciava a presença de equipamentos obsoletos no SNS devido à falta de investimento e o relatório do Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde da União Europeia acerca da caracterização dos Sistemas de Saúde denunciava a falta de planeamento integrado dos recursos humanos entre o ensino superior e a formação de especialistas bem como a ausência de políticas de atratividade e retenção dos profissionais para o SNS.

Desta forma, resta a resposta à primeira e principal questão: Irá finalmente António Costa fazer da Saúde “A Prioridade” na sua próxima legislatura?

Se a equipa do Governo mantiver tudo como nos últimos quatro anos, a resposta é claramente negativa. No entanto, face a um novo ciclo, aguardamos com expectativa uma nova visão para a Saúde, que traga um investimento sério na Saúde e uma proposta concreta para um planeamento integrado dos recursos humanos. Haverá audácia e ambição para seguir o caminho correto?