Esta pandemia mostrou como as nossas prioridades e rotinas podem transformar-se profundamente em poucos dias. A ideia de que as sociedades e as economias são rígidas e imutáveis colapsa perante imprevistos como este.

Se esta lição é conhecida sobejamente em Ciência, não deixa de ser paradoxal (para não dizer caricato) que a iniciativa do MCTES intitulada “Skills 4 Covid” esteja tão assente em pressupostos passados. Não é mais do que rebuscar os antigos relatórios da OCDE, que desde os anos 90 proclamam um mesmo mantra, acompanhado de um estudo sobre uma economia que já não existe. A falta de imaginação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior é um problema sério. Mais ainda quando se trata de uma área que deveria liderar a inovação do país.

Reduzir a ideia de responsabilidade social das universidades e politécnicos à mera (re)adaptação da oferta formativa em função das supostas necessidades e evoluções prévias do mercado de trabalho demonstra dois equívocos.

O primeiro é tomar-se o papel do ensino superior como um mero exercício mecânico e redundante de preparação dos estudantes para exercer atividades profissionais limitadas, escamoteando os respetivos contributos na formação de cidadãos e no desenvolvimento pessoal. Trata-se de uma visão que circunscreve as potencialidades da formação académica a uma mera formação para um emprego que, sendo importante, não constitui de todo a sua finalidade única ou principal.

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Como se demonstra nesta crise (e como temos visto, há sempre crises), a necessidade de ontem não garante a necessidade do amanhã. E os países com maiores capacidades são aqueles que são capazes e têm ferramentas para se reinventar.

É por essa necessidade de contínua adaptação e evolução que as aptidões e competências conferidas pelo Ensino Superior devem estar orientadas a cidadãos que intervêm na nossa sociedade e economia, abrindo o futuro (os inovadores).

Daqui antevemos o outro problema, ao tomar-se o papel do Ensino Superior como correspondente a meras necessidades pré-existentes, esquecem-se as possibilidades de, através do trabalho de docência e de investigação, se anteciparem e suscitarem dinâmicas sociais e económicas que contribuam para ultrapassar os desafios decorrentes da pandemia mundial.

A resposta à crise, com a rápida adaptação ao ensino à distância feita voluntariamente por estes agentes (sem dirigismos), demonstrou-nos um Ensino Superior dinâmico. São estes professores e investigadores que quotidianamente constroem as nossas instituições, concretizando as missões e atividades que distinguem o Ensino Superior: analisam dados, questionam factos, debatem perspetivas, inovam, numa palavra criam conhecimento que beneficia e suscita dinâmicas sociais e económicas.

Remeter estes profissionais a meros atores passivos, quando são eles que ensinaram e produziram muitas das ferramentas que levam ao sucesso em diversas áreas, significa um enorme desperdício da experiência e conhecimento que temos vindo a acumular. E traduz um modo de atuação que afasta da decisão sobre o Ensino Superior aqueles que são os seus principais construtores.

Há mais de cem anos, o economista Thorstein Veblen demonstrou a propósito de alterações na Universidade de Chicago que, como acontece em diversas áreas, também nos empresários existem razões esporádicas para o sucesso, sendo muitos deles produto de oportunismos vários que não são, de modo nenhum, o modelo de sociedade que queremos ter. Convém não colocarmos as nossas universidades à mercê dos esquemas nem deste, nem daquele.

A cooperação e diálogo da comunidade académica e científica permitiu construir uma instituição milenar. Essa é a razão de facto da sua autonomia (tão mal defendida e deturpada pelo ministro Manuel Heitor). Diluir esta instituição num mero serviço é desmontá-la, com toda a perda que tal significa para a sociedade, para a economia, mas sobretudo para a capacidade de sabermos inovar e construir um futuro melhor.