O Syriza “hollandou”. Não cedeu ainda em tudo, mas já foi obrigado a deixar cair muitas das suas promessas eleitorais. E nem um mês passou da ida às urnas.
Diz o povo, e com razão, que “entradas de leão, saídas de sendeiro”. Foi exactamente o que aconteceu. É por isso que não são possíveis duas leituras do acordo a que se chegou no Eurogrupo: eram 18 contra um, e os 18 tiveram ganho de causa em quase todas as alíneas. O que ficou de fora serve mais para salvar a face aos gregos (por enquanto) do que para qualquer outra coisa mais.
Recapitulemos. A promessa eleitoral de Tsipras era que iria renegociar a dívida, obter um perdão substancial (metade?) e formar uma coligação de convocasse uma conferência europeia sobre as dívidas soberanas. A seguir, Varoufakis andou pela Europa a tentar vender uma solução para a dívida grega que já não falava em perdão, mas implicaria sempre grandes perdas para os credores. Na sexta-feira o acordo diz taxativamente que a Grécia se compromete a honrar as suas dívidas e os seus prazos de pagamento.
No discurso de vitória da noite eleitoral, Tsipras proclamou que o memorando tinha acabado e troika também. No acordo ficou escrito que o memorando passou a chamar-se “o actual acordo” e a troika mudou de nome para “as instituições”, algo que estas, de resto, agradecem. Os técnicos que costumavam visitar Atenas vão continuar a visitar – e a vigiar – Atenas. O dinheiro também só voltará a fluir para a Grécia quando “as instituições” e o Eurogrupo aprovarem.
Na primeira reunião do Governo, realizada com as portas escancaradas e as televisões a transmitirem em directo, foram anunciadas medidas que representavam uma violação clara dos acordos com que a Grécia se tinha comprometido, como o imediato aumento do salário mínimo ou a suspensão das privatizações. Agora, no acordo do Eurogrupo, a Grécia aceitou que não tomará “medidas unilaterais”.
O único ponto de abertura do Eurogrupo foi para alterar as metas do excedente primário. É algo que a Grécia poderia ter obtido com uma negociação mais normal – como de resto obtivera no passado e Portugal também já obteve.
Julgo por isso que Vital Moreira tem toda razão: “o novo Governo grego teve de abandonar todos os seus objetivos “antiausteritários”: nem corte na dívida, nem fim da austeridade orçamental, nem reversão das medidas tomadas, nem novo empréstimo à margem do programa de resgate em vigor (que o Syriza tinha declarado morto e sepultado), nem fim da supervisão da troika (que só perde o nome).”
No dia a seguir às eleições gregas escrevi – a contravapor de toda a euforia que por aí ia – que naquele momento é que começavam as dificuldades do Syriza. Não esperava que a realidade me desse razão tão depressa.
Porque é que Tsipras e Varoufakis tiveram de mudar de política tão depressa?
A resposta é simples, cristalinamente simples: porque a Grécia não tinha dinheiro. Não tinha dinheiro para pagar os empréstimos nas datas previstas. Começava também a não ter dinheiro nos bancos, de onde os gregos estavam a levantar mil milhões de euros por dia não apenas para os colocar fora do país, mas também para nos guardar na gavetas, nos frigoríficos e, sim, claro, debaixo dos colchões. Arriscava-se a nem sequer ter dinheiro para pagar aos funcionários e aos pensionistas porque os contribuintes estavam a deixar de pagar impostos (menos 40% de receita do que o previsto só em Janeiro).
Nada disto deveria ter sido uma surpresa para o novo governo grego pois ou era uma decorrência dos acordos que o país assinara, ou a reacção normal de cidadãos assustados com a possibilidade de uma saída do euro e do regresso ao dracma. Mas a dimensão do colapso financeiro que estava em curso e as consequências do facto simples de o BCE ter semi-cerrado as torneiras do dinheiro deixaram o executivo de Atenas entre a espada e a parede. Só lhe restava ceder.
Mas há mais: a estratégia confrontacional e hipermediatizada do governo grego foi a pior possível se realmente queria chegar a um bom acordo. Desde o primeiro dia que Tsipras optou pela guerra aberta, às vezes quase pelo insulto, tal como desde o primeiro aeroporto estrangeiro em que aterrou que Varoufakis preferiu sempre explicar primeiro aos jornalistas aquilo que pretendia e só depois reunir-se com os seus parceiros. Atenas fez subir a parada, porventura pensando – como pensam sempre os revolucionários – que levantaria “as massas” europeias em seu apoio. As “massas” ficaram-se por uns magros ajuntamentos (em Portugal nem se deu por eles e pelo seu fracasso) ao mesmo tempo que as opiniões públicas, sobretudo nos países que mais pesam, passaram a ser mais exigentes com os seus governos. A opção pelo confronto aberto fez com que os ministros das Finanças tivessem menos margem para quaisquer cedências, pois toda a negociação se tornou pública e uma espécie de combate de gladiadores. O estilo iconoclasta levado ao limite de Varoufakis (que agora até usa a gola do casaco levantada, para ser original), quando não a sua má criação, ainda tornaram mais difíceis as negociações.
Mas o ponto essencial, e que a Grécia pareceu esquecer, é que um país não pode pedir apoio e ao mesmo tempo formular as condições, como recordou o social-democrata Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, no final da reunião de sexta-feira.
E foi assim que Varoufakis acabou a dar uma conferência de imprensa a tentar apresentar como uma vitória o que era uma derrota, uma conferência de imprensa a lembrar aquela em que Sócrates quis apresentar aos portugueses os termos do Memorando de Entendimento como uma grande vitória do seu governo. Viu-se aqui, ver-se-á na Grécia.
E agora, o que se segue?
Antes do mais segue-se que o acordo de sexta-feira é apenas um pré-acordo. Ainda tudo pode descarrilar, é bom ter isso bem presente. A primeira dificuldade do governo de Atenas será vender o acordo aos seus próprios deputados. Isto ao mesmo tempo que tem de cumprir um prazo de 72 horas para, finalmente, apresentar as medidas concretas que permitam aos parceiros ter garantias de que o que foi assinado não tem apenas o valor de um papel cheio de boas intenções. Só depois de essas medidas serem aprovadas pelos técnicos da “ex-troika” e validadas pelo Eurogrupo é que o acordo poderá ser dado por concluído. A seguir haverá nova avaliação no final de Abril. Isto antes de o período de extensão do financiamento caducar no final de Junho, isto é, na véspera de a Grécia ter de pagar 6.9 mil milhões em empréstimos que vencem em Julho e Agosto. Ou seja, a Espada de Dâmocles da falta de dinheiro continuará, ameaçadora, sobre as cabeças de Tsipras e Varoufakis.
As coisas não tinham de correr desta forma, mas correram porque tudo o que o governo grego fez nestas semanas foi agravar o clima de falta de confiança que a vitória do Syriza já criara nas outras capitais europeias. A arrogância com que, logo depois das eleições, Varoufakis disse, em várias entrevistas, que sabia que, no fim, a Alemanha acabaria sempre por ceder voltou-se contra ele. A petulância com que Tsipras anunciou que não cumpriria as regras europeias também não o ajudou a encontrar um só aliado no Eurogrupo. Nem sequer Chipre, quanto mais a Itália ou a França.
Este processo deve também fazer-nos reflectir sobre algumas coisas que por aí se vão dizendo. A mais comum de todas é que teria bastado a Portugal “bater o pé” ou “dar murros na mesa” para, nestes anos, ter conseguido melhores condições. E que no futuro deve ser esse o caminho. Já se vira o que essa estratégia de muita garganta e pouca substância rendera a François Hollande, agora está a ver-se o que ela trouxe a Alexis Tsipras.
A Irlanda e Portugal, ao longo destes anos, tiveram algumas negociações complicadas no Eurogrupo. E choques com “as instituições”. No nosso caso esteve-se mesmo à beira da ruptura durante a sétima avaliação. Mas os dois países foram conseguindo melhorar as suas condições, já lograram renegociar aqui e além as suas dívidas e as taxas de juro associadas. Portugal até o conseguiu concluir uma dessas renegociações esta semana, no meio da tempestade grega.
Sempre houve quem achasse, e quem continua a achar, que gritando em Portugal contra aquilo a que agora se chama “as instituições” se obteriam melhores resultados em Bruxelas. Não será altura de aprenderem um pouco com os erros e os fracassos alheios?
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