Na última semana, Lisboa foi palco da Web Summit, conferência mundial de empreendedorismo e tecnologia que recebeu 50 mil pessoas. Os números foram surpreendentes: participantes de 165 países, 2 mil startups e a presença de cerca de 1500 investidores. A grandiosidade do evento foi um reflexo claro da força da inovação no mercado internacional.

Extraímos deste cenário um tema que gera constantes dúvidas: a proteção jurídica do software. Grande parte das startups oferece soluções tecnológicas através de aplicações e sistemas informáticos destinados a suprir uma infinidade de necessidades do mercado consumidor e empresarial. Nada mais são do que negócios que têm como objeto um software, cujo desenvolvimento exigiu perícia, astúcia e, principalmente, criatividade. Como proteger então esse ativo tão importante?

Como ponto de partida há que se ter em conta que o software, na União Europeia, não é protegido por patente ou por uma forma especial de proteção, como por vezes se ouve em discussões sobre o tema. Muito se debateu acerca dessas duas possibilidades. No entanto, a Directiva 91/250/CEE de 14 de Maio, relativa à proteção jurídica dos programas de computador, impôs que proteção do software na União Europeia seja feita pelo Direito de Autor (Copyright Approach), nos mesmos termos que as obras literárias. Há que se ressaltar que a discussão sobre a patenteabilidade do software permanece em alguns países (como é o caso dos Estados Unidos) e existem exceções. Em Portugal, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) admite, por exemplo, uma hipótese excecional de registo da patente de um programa de computador que tenha caráter técnico e seja essencial ao funcionamento de uma invenção.

Muitas das dúvidas são geralmente colocadas tendo uma perspectiva internacional de proteção. Como muitos programas de software são desenvolvidos com o objetivo de serem disponibilizados em múltiplos países, uma das primeiras questões das startups acaba por ser: como adquirir uma proteção internacional? Não há um caminho simples, caro leitor. A proteção da propriedade intelectual tem como regra a territorialidade. A Convenção de Berna (instrumento internacional relativo à proteção das obras intelectuais e artísticas) tem 164 países signatários e, em regra, estabelece que a proteção da obra num país signatário implique a proteção similar nos demais. É uma perspetiva teórica de proteção. No entanto, do ponto de vista prático, o que o titular do software deve optar por fazer é escolher uma base jurídica de referência e instituir esforços e investimentos para monitorizar em outros países possíveis cópias, infrações e requisitos específicos de proteção. Assim, cientes dessa realidade, abordaremos alguns aspetos importantes para quem opte por proteger o software sob a tutela da lei portuguesa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em Portugal, é o Decreto-lei N.º 252/94 de 20 de Outubro, que transpôs a Diretiva 91/250/CEE que estabelece as regras aplicáveis à proteção jurídica do software. O diploma foi retificado em 1995 e em 1997 (já há muito tempo, se pensarmos na rapidez com que os sistemas informáticos evoluíram).

Se fosse possível em breves notas apontar quais os temas que suscitam, de imediato, mais dúvidas no âmbito da proteção jurídica do software, eles seriam: o prazo de proteção, a necessidade de um registo e finalmente, os direitos conferidos ao desenvolvedor. Falaremos rapidamente sobre todos eles.

O prazo de proteção. O direito de autor sobre o programa de computador extingue-se 70 anos após a morte do criador intelectual. Se o direito for, no entanto, originariamente atribuído a uma pessoa diferente do criador intelectual (como, por exemplo, a uma empresa que tenha encomendado o software), o direito extingue-se 70 anos após a data em que o programa foi pela primeira vez publicado ou divulgado. A extensão do prazo é objeto de inúmeras críticas, tendo em conta o curto período de tempo que alguns programas de computador tornam-se rapidamente obsoletos.

O registo. Uma dúvida muito comum entre os programadores de software prende-se com a necessidade de se fazer o registo do código fonte. Tal como outras criações intelectuais protegidas pelo direito de autor, o registo não é constitutivo do direito, ou seja, o direito não surge com o registo. Assim, o registo não é obrigatório nem necessário para que a autoria do software seja protegida. No entanto, é uma alternativa interessante de proteção pois é um importante meio de prova da autoria ou anterioridade da criação. Em Portugal, o registo pode ser feito como depósito do código fonte na Assoft (Associação Portuguesa de Software), entidade pública sem fins lucrativos constituída em 1991. Podem ser objeto de depósito quaisquer tipos de software, independentemente da linguagem de programação ou da plataforma para que foram concebidos.

Os direitos. O titular de um programa de computador tem o direito exclusivo de realizar ou autorizar a reprodução ou transformação do programa. A tradução, os upgrades, updates e a manutenção só podem ser feitas com a sua autorização. É também apenas o titular do programa de computador que tem o direito de colocar em circulação originais ou cópias do programa, proceder à locação de exemplares do programa e colocá-lo à disposição do público.

Para garantir a adequada proteção dos seus direitos, o titular do programa de computador deve estabelecer de forma clara os limites de utilização do mesmo, o que é geralmente feito com a apresentação de uma licença ou termos e condições de utilização. É este documento que estabelecerá se a utilização do software é gratuita ou remunerada, o número máximo de utilizadores ou plataformas em que o software poderá ser instalado, o prazo de duração e as condições de manutenção. A redação de um documento claro e objetivo com essas questões é, sem dúvida, um ponto de extrema importância a ser avaliado pelas empresas que estejam prestes a lançar o seu software no mercado.

Juliana Marcondes é associada da PLMJ TMT