Quando Vladimir Putin entra na terceira década à frente dos destinos da Rússia, Alexei Navalny, depois de ser alvo de uma tentativa de assassinato, volta a Moscovo, onde é preso no aeroporto à frente das câmaras de televisão. Foi condenado a três anos e meio de prisão, como não poderia deixar de ser. Terá sido, entre outras coisas, um aviso que o regime quis fazer à população, mas não terá resultado. Pelo contrário. Navalny, que pode nem ser um democrata à maneira ocidental, passou a ser o símbolo de uma Rússia descontente com o estado económico das coisas, com a ausência cada vez mais notória de um Estado de Direito, com a corrupção endémica e até contra um presidente que teve níveis de popularidade astronómicos, mas que começam a perecer por falta de promessas cumpridas, especialmente para uma nova classe de jovens que se estão a politizar num momento em que o discurso do nacionalismo glorioso está a perder o seu brilho.

Dizem os especialistas na matéria, que Putin até pode cambalear, mas não cai. Que este tipo de protestos é cíclico e que, embora este tenha características novas – nomeadamente, o alvo não ser o regime, mas o próprio presidente –, o Estado está equipado para manter o status quo. A repressão das manifestações do último fim de-semana mostram-nos que, muito provavelmente, é verdade. Para consumo doméstico, o presidente russo diz que as manifestações são orquestradas pelos Estados Unidos. Para uso externo diz que o problema é interno e que nenhum Estado tem poder ou o direito de interferir.

É neste contexto que o novo presidente norte-americano, Joe Biden, telefona pela primeira vez ao homólogo russo. Antes, diz e imprensa, leu dossiers, consultou aliados europeus e falou com Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, para lhe garantir que a Aliança Atlântica está firme. Fez política externa à moda antiga. Depois, não poupou o presidente russo: falou-lhe da forma inaceitável como viola os direitos humanos de Navalny e dos manifestantes, das agressões na Ucrânia, dos ataques cibernéticos SolarWinds e de intromissão na missão dos soldados americanos no Afeganistão. A nova porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, disse que o presidente mandou reunir informação para saber se se justificam novas sanções, “não deixou nada por dizer”, nem “que os Estados Unidos atuarão firmemente em defesa do seu interesse nacional em resposta a comportamentos da Rússia que prejudiquem os Estados Unidos e os seus aliados”. Há algum tempo que Putin não ouvia uma coisa assim.

Biden bem disse, em campanha, que a Rússia era a maior ameaça direta à América. E não quis deixar de traduzir a sua batalha contra as autocracias em ações políticas. Esta conversa – onde ainda conseguiu a concordância de Putin para uma extensão de cinco anos do acordo START – deixou claro que Moscovo está perante um cold warrior, que está disposto a ameaçar seja quem for para fazer as coisas à velha maneira americana.

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Isto dificulta muitíssimo a missão de Josep Borrell, que se deslocou ontem à Rússia (antes deste artigo ser escrito). Vai envolto em controvérsia, porque há um conjunto de Estados-membros que preferiam que não fosse. Uns acusam o Alto Representante da União Europeia de proteger os interesses alemães relacionados com a construção do pipeline Nord Stream 2. Outros acham que a visita devia ser cancelada como protesto contra a prisão de Navalny, que a Europa fica aquém dos seus valores ao aceitar ir ao Kremlin nesta altura. Vai depois da posição firme de Joe Biden. Vai depois de declarar à imprensa que, provavelmente, não conseguirá defender Navalny nem a repressão russa. Borrell diz que quer falar das questões de segurança do Médio Oriente. Moscovo diz que se quer aproximar da Europa. Mas a verdade é que as expectativas para esta visita são muito baixas, porque é muito difícil defender posições e interesses europeus – e ocidentais, se fosse o caso – tão divergentes. E Putin aproveitará, como sempre faz, para explorar esta desorientação.

Além disso, Borrell sabe que é o elo mais fraco. Como em relação à China (e à Rússia) e até aos Estados Unidos, a União Europeia não consegue ter uma posição firme. Usa as ideias “comissão geopolítica” e “autonomia estratégica” para disparar em todas as direções, sem qualquer rumo definido. Caso não perceba rapidamente que são precisas decisões de fundo, cairá numa posição de fraqueza, da qual pode levar muito tempo a sair (se alguma vez sair). Uma entidade que quer fazer política externa sem tomar decisões estratégicas corre o risco de ser dominada pela política externa dos outros.

Mais: a Europa está a por todas as suas fichas na liderança das mudanças necessárias para as alterações climáticas. Terá problemas internos e externos graves – basta pensar nas diferenças de pontos de partida dos países da União para chegar à descarbonização e na mudança de fornecedores e compradores que criará problemas geopolíticos difíceis de resolver. Pode uma entidade desorganizada desempenhar um papel destes? Talvez. Mas só com aliados e uma política externa orientada. Caso contrário, bem pode ter sonhos de grandeza.