É uma jornalista de referência. Foi conselheira da RTVE, chefe de redacção da edição catalã do jornal El Mundo e recebeu o prémio Buenas Prácticas de Comunicación No Sexista. Pauta-se, portanto, pelo rigor, pela verdade, pela tolerância e pelas boas prácticas de comunicação. Por tudo isto, poderia pensar-se, ninguém melhor do que Cristina Fallarás Sánchez para comentar de forma objectiva a reunião Viva 24.

E o que foi a reunião Viva 24? Um encontro de líderes de partidos da direita nacional-conservadora em Madrid, no passado Domingo, 19 de Maio? Nada disso. Diz-nos a escritora e jornalista no jornal digital espanhol Público que se tratou, isso sim, do tenebroso conclave de um “gangue” de malfeitores a que acorreu “lo más granadado del fascismo internacional”. Quem encabeçou o “sinistro elenco” foi o presidente Milei da Argentina, acabado de chegar do país “depois do assassinato por ódio de quatro lésbicas, queimadas vivas em Buenos Aires”– com as mãos ainda chamuscadas, poderíamos supor, se na pensão onde moravam as vítimas o fogo não tivesse sido ateado por um cocktail incendiário, atirado por um vizinho, que a seguir tentou suicidar-se e que está preso, dando fortes indícios de paranóia… mas isso são pormenores que a jornalista de referência não achou dignos de referência, preferindo associar Milei a uma “queima das bruxas” das antigas.

Seguia-se então, no jornal digital espanhol, a lista dos malfeitores: a francesa Marine Le Pen, o polaco Mateusz Morawiecki, o chileno José António Kast, o português André Ventura e, não presenciais, a “líder fascista italiana Giorgia Meloni” e o primeiro ministro húngaro Viktor Orbán (estranhamente sem adjectivos de referência).

O gangue

E qual o programa, o objectivo, de semelhante “panda de dirigentes fascistas”? Organizarem-se para “destrozar la mera idea de derechos humanos, la decencia, toda ética, toda igualdad y la paz a las que aspiramos como sociedad”. O que não é de estranhar, uma vez que é de vilões de filme B conluiados para praticar o mal que Fallarás fala.

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Cristina tinha apelado para que todos os antifascistas de boa-vontade denunciassem o gangue, reunindo-se em protesto no centro de Madrid no Sábado 18 de Maio, véspera da cimeira da “extrema-direita fascista europeia”. Infelizmente, foram quase tantos os manifestantes como as organizações convocantes, velhos conhecidos que ali se juntavam para professar bem alto a sua fé na tolerância, na inclusão, nos direitos humanos, na decência, na ética, na igualdade, na paz e no diálogo – e para renunciar ao ódio e aos seus agentes, destilando ódio e empunhando tenebrosas caricaturas dos filhos do Maligno, a esconjurar.

Ora acontece que os agentes do mal, os inimigos da democracia, os odiosos fascistas em causa foram eleitos em eleições livres e justas pelos respectivos povos e eleitores: Milei, Meloni e Orbán estão no poder depois de grandes vitórias eleitorais e não acabaram com a democracia; Le Pen é a líder histórica do maior partido francês, Le Rassemblement National; os outros representam forças políticas que, nas eleições, têm recebido o apoio de milhões de europeus de todas as proveniências e classes sociais.

Vive e deixa morrer

Outro sinal dos resultados destes discursos e campanhas de ódio contra adversários políticos, neste caso contra os “fascistas e nacionalistas da extrema-direita”, os únicos emissores oficiais de “discurso de ódio”, foi a tentativa de assassinato do primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico. Fico, que até há pouco tempo alinhou em posições de Esquerda, está hoje empenhado numa linha independente e nacionalista, próxima da do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. À semelhança do Papa Francisco, Fico apelou recentemente à procura urgente de uma solução negociada para a guerra na Europa, defendendo o não-envolvimento directo da NATO no conflito. Tal levou a uma violenta campanha mediática, acusando-o de ultra-direitista e de cúmplice de Putin, pelo que um septuagenário de nome Juraj Cintula, escritor, poeta e membro da Associação Eslovaca de Autores com indícios de instabilidade mental, resolveu disparar cinco tiros à queima-roupa contra o primeiro-ministro, que se encontra ainda em estado crítico. À boa moda da esquerda virtuosa, Cintula tentara em 2016 lançar um “movimento cívico contra a violência”… dos outros.

No encontro de Madrid promovido pelo Vox, numa sala com mais de 10 mil pessoas, quer Le Pen, quer Meloni, que falou por videoconferência, insistiram nos perigos da imigração descontrolada e na necessidade de os partidos da direita patriótica mobilizarem os seus eleitores para as eleições de 9 de Junho, a fim de reorientarem a política da União Europeia em relação à imigração e a outras matérias de interesse público. Tudo matérias sacrossantas, intocáveis, que não se podem evocar em vão, sob pena de apedrejamento. E depois queixam-se.

Ali, todos queriam, sobretudo os europeus, defender a sua independência e a sua identidade nacional; e ter liberdade de levar por diante as políticas adequadas a essa defesa, impedindo que as instituições europeias, não eleitas, lhes impusessem o seu Diktat.

Diziam-se também pela liberdade de expressão, que a Esquerda Radical e a Comissão Europeia se propõem limitar preventivamente, concomitantemente e posteriormente, por via de cancelamento ou por via legislativa.

No jornalismo e no comentário de referência, a denúncia de crimes como o “racismo” e de patologias como a “xenofobia” ou “fobias” de outro género – em que só “a extrema-direita” incorre por pensamentos, palavras, actos e omissões e cujos sintomas são o “discurso de ódio” e o “populismo” – é obrigatória e confere virtude. E pouco importa se a denúncia é feita com ódio, com demagogia e sacrificando a verdade ou até a racionalidade, desde que seja feita pelos virtuosos do costume e em meios de comunicação fidedignos.

O grande mistério é que haja uma opinião resistente a estas virtuosas e incessante denúncias, com significativo apoio popular. Só pode ser pela desinformação, uma vez que a “extrema direita” e o povo ignaro desconhecem as buenas prácticas do jornalismo de referência.