Terça-feira, seu filho amanhece doente, mas você tem uma reunião importante às 11 da manhã: “mãe, você pode ficar com o Joãzinho?” ou “acho que a empregada pode ficar com o Joãozinho” ou “talvez o Joãozinho dê conta de ir para a escola”. Você vai à reunião, de uma forma ou de outra, você estará na reunião, pontualmente às 11 horas.

Quarta-feira, é seu aniversário de casamento, mas você não terminou aquele prazo que deve chegar hoje nas mãos do cliente: “querida, eu juro que compenso no final de semana”; “fazemos uma viagem mês que vem”; “ano que vem comemoramos em dobro. Você, sem grandes atrasos, entrega o trabalho ao cliente e, não, não irá jantar nesse dia.

Quinta-feira, você deveria ir correr, já faz uma semana que você não faz exercício físico, mas você precisa ir ao cartório, registrar um documento: “amanhã eu posso tentar correr de manhã”; “não, amanhã não vai dar, mas talvez no sábado eu possa fazer algum exercício”; “fim de semana é sempre complicado, mas semana que vem eu vou, sem falta”.

Sexta-feira, aniversário da sua melhor amiga, mas seu chefe diz que haverá um jantar com aquele investidor: “querida, eu devo chegar meio atrasada”; “putz, 22hs e esse jantar não acaba”; “querida, ainda está rolando aí?”; “acho que em 20 minutos isso acaba”; “desculpe querida, não deu mesmo”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sábado, você só queria um jantar sossegado com seu marido, depois irem juntos para casa, na boa, mas você lembra do aniversário do Miguel, que nem é muito amigo de vocês, mas- sabe como é- todos os outros amigos insistiram muito para que vocês fossem: “vamos lá, senão nós passamos por antipáticos”; “vamos, a gente não fica até muito tarde”; “vamos, vai ser divertido”.

Domingo, sua tia insiste que você passe na casa dela para buscar as toalhinhas que ela bordou para vocês, mas você lembra que precisa passar na Leroy para comprar as aquelas luminárias que estão em promoção: “eu tento passar aí na volta, tia” ou “vamos combinar de você nos entregar no aniversário da Mariana” ou “qualquer hora dessas a gente combina um almoço e você me entrega”

Segunda-feira, sua mãe tem uma colonoscopia que precisa de acompanhante, mas você já está com várias coisas atrasadas (trabalho, corrida, jantar, toalha) e ela diz que tem uma amiga que pode ir com ela, mas você sabe que era você quem ela realmente queria que estivesse lá: “tem certeza, mãe?”; “depois do trabalho eu passo pra te dar um beijo”; “qualquer coisa me liga então”.

E é assim quem se passam todas as nossas semanas. Reunião em vez de filho. Cliente em vez de casamento. Burocracia em vez de saúde. Investidores em vez de amigos. Amigos distantes em vez de amores. Dinheiro em vez de afeto. Prazos em vez de família.

Não sei onde estamos com a cabeça. Sim, dava para sobreviver de outra forma. Dava para priorizar outras coisas sem perder o emprego, sem acabar com a carreira, sem ficar na miséria. Mas não. Decidimos deliberadamente optar sempre pelas coisas erradas. Nos convencemos da existência de compromissos inadiáveis enquanto vamos, dia após dia, adiando tudo o que realmente importa na vida.