A Autoridade Tributaria (AT) veio recentemente determinar que é o órgão competente para a cobrança de quotas em atraso dos membros de ordens profissionais, o que encontra acolhimento legal. No entanto, é uma má solução porque o procedimento tributário não se mostra adequado a esta cobrança, sendo excessivo, desproporcionado e configurar uma utilização indevida de recursos públicos.

Por um lado, neste caso, as prerrogativas da AT no procedimento tributário são manifestamente excessivas. Há um enorme desequilíbrio entre a AT e o profissional associado da ordem com quotas em atraso. É que a AT surge no processo executivo tributário munida de poderes próprios de execução coerciva enquanto o profissional associado da ordem tem o seu direito à defesa fortemente limitado, apenas podendo socorrer-se da oposição à execução com base num rol taxativo de fundamentos.

Por outro lado, embora o órgão cobrador seja distinto do órgão executor, não existe a intervenção de um terceiro, nomeadamente de um Tribunal, que zele pela legalidade, imparcialidade e transparência do procedimento, o que tudo coloca em crise os princípios fundamentais que devem orientar a atuação da AT, justamente por estar em causa a cobrança de dívidas não tributárias.

Além disso, não parece que haja um interesse público que justifique o processo de execução fiscal. As ordens profissionais têm vindo a assumir, sobretudo, a defesa dos interesses dos seus profissionais associados, o que não é compatível com a utilização de recursos próprios do Estado para cobrança de dívidas tributárias, onde existe um verdadeiro interesse público.

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A utilização da AT para cobrança de dívidas não tributárias subverte as funções da AT, que se vê transformada numa “agência privada” de execuções, ao serviço de interesses privados. Em tempos de racionalização dos recursos do Estado, é até algo estranho que os recursos humanos, técnicos e informáticos da AT sejam privatizados desta forma, deixando de estar exclusivamente afectos à cobrança de dívidas tributárias. Em vez de se privilegiar o interesse público, utilizam-se meios públicos para defender interesses privados de grupos profissionais.

Esta solução pode ter graves consequências. Os milhares de processos de execução fiscal de quotas em atraso de ordens profissionais irão, provavelmente, prejudicar os processos de execução fiscal de dívidas tributárias, que perderão celeridade e eficácia. A não ser que haja um considerável reforço de meios. O que terá consequências para os contribuintes que ficam, assim, onerados com os encargos de cobrança de dívidas relativamente às quais são totalmente alheios. Em última instância, são as próprias bases da tributação que ficam em risco, o que importa prevenir e acautelar.

Por fim, esta opção não só não traz vantagens como prejudica os associados da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução. Os Solicitadores e Agentes de Execução são os profissionais especializados na cobrança de dívidas privadas. Apenas estes profissionais asseguram que esta cobrança se realiza de forma não invasiva dos direitos dos associados das ordens profissionais.

Acresce que os Solicitadores e Agentes de Execução não podem ser tratados como se não existissem, desperdiçando a sua formação e investimento profissional. Estes profissionais devem poder conseguir reunir um volume de trabalho que lhes permita uma vida condigna e adequada às despesas exigidas para o exercício da profissão. Também por essa razão, as cobranças de quotas em atraso dos membros de ordens profissionais devem ser atribuídas aos Solicitadores e Agentes de Execução.

Face ao exposto, esta autêntica utilização indevida de recursos públicos deve terminar, fazendo com que a cobrança de quotas em atraso dos membros de ordens profissionais se efetue através de um processo de execução que não privatize recursos públicos e que assegure que os Solicitadores e os Agentes de Execução desempenham as suas funções profissionais. Seria, simplesmente, a solução mais justa e equilibrada para todos, incluindo para os contribuintes.

Solicitador