Os debates televisivos estão a recolher audiências elevadas, provando que há interesse dos portugueses nas discussões entre líderes partidários. Por exemplo, o recente debate entre António Costa e Rui Rio foi visto por 2,7 milhões de espectadores. Mas com que impacto nos eleitores? Afinal, quantos votos vale um bom desempenho num debate televisivo? Há respostas possíveis e apontam para uma certa sobrevalorização dos debates face ao seu impacto real. Mas, sobrevalorizado ou não, esse impacto existe. E, como tal, os enviesamentos editoriais no próprio debate também condicionam o seu impacto eleitoral.
Os efeitos dos debates no comportamento eleitoral é algo muito estudado nos EUA, onde as campanhas presidenciais atingem elevada intensidade e mediatização. Agarrando nessa investigação, vale a pena aqui destacar duas conclusões. Primeiro, analisando as sondagens eleitorais de candidatos antes e após os debates televisivos durante várias décadas, concluiu-se que estes não provocam grandes oscilações nas intenções de voto – à volta de dois ou três pontos percentuais no total. Isto significa que o impacto destes debates não é estrutural, mas existe e pode ser suficientemente relevante para os objectivos de uma candidatura. Existem excepções? Sim, houve casos em que as oscilações foram bruscas e mais significativas, mas tal deveu-se a desempenhos francamente negativos em debates. Ou seja, o impacto só é realmente significativo se um dos candidatos for consensualmente arrasado no confronto, o que geralmente não acontece. Em situações normais, os debates são relevantes, mas os seus efeitos são também mais reduzidos do que por vezes se crê.
O segundo ponto de relevo é que há uma enorme margem para enviesamentos editoriais dos próprios debates, que interferem na forma como os candidatos são percepcionados pelos eleitores. As opções dos entrevistadores nas perguntas, os planos das câmaras e os comentários de análise pós-debate podem ter mais impacto que o próprio conteúdo do debate. Alguns exemplos.
Uma experiência conduzida nos EUA, para um debate (2004) entre George W. Bush e John Kerry, é esclarecedora quanto ao peso das análises dos comentadores pós-debate. Os investigadores dividiram aleatoriamente os inquiridos em três grupos – o primeiro apenas assistiu ao debate; o segundo assistiu ao debate e aos comentários imediatos da NBC; o terceiro assistiu ao debate e aos comentários imediatos da CNN. Questionados sobre quem teria vencido o debate, os resultados falam por si. No primeiro grupo, 48% atribuíram a vitória a Kerry e 24% a Bush – semelhante ao terceiro grupo, que assistiu à CNN. Mas quem acompanhou a NBC teve uma opinião oposta: 50% deu a vitória a Bush e só 17% considerou que Kerry havia estado melhor. Conclusão: a análise dos comentadores nos instantes a seguir ao debate moldou fortemente a avaliação dos espectadores.
Uma outra forma de enviesamento: os planos de câmara durante um debate. Vários artigos na área da psicologia social comprovam que as pessoas reagem fortemente à imagem e, em média, valorizam mais o que vêem do que o que ouvem (e, consequentemente, quem aparecer mais vezes tenderá a recolher mais aceitação). Ora, análises aos debates televisivos assinalaram que os realizadores tendem a filmar mais tempo e com ângulos mais favoráveis (tipo retrato) os candidatos melhor posicionados para vencer – reforçando a sua posição dominante. É uma forma (consciente ou não) de assinalar visualmente os vencedores: dar-lhes melhor e mais tempo de imagem. Ou, em sentido contrário, serve também para desqualificar candidatos, caso estes surjam sobretudo em ângulos abertos e no meio de outros intervenientes – essa opção assinala visualmente a sua menor relevância.
Chegados aqui, pergunta o leitor: o que é que isto interessa para a campanha em curso das nossas eleições legislativas? Interessa porque dá contexto a determinados enviesamentos que pouco ou nada são alvo de discussão (e, já agora, de estudo). Repare-se nestes três casos, nos quais o PSD foi prejudicado (e haverá casos para outros partidos, certamente). Primeiro, na sequência do debate-chave entre Rui Rio e António Costa, no qual o líder do PSD até teve um bom desempenho, as fotografias que fizeram as manchetes no Público e no Jornal de Notícias mostram Rui Rio numa posição corporal de fraqueza e subserviência perante António Costa – imagens que valem mais do que mil palavras e baralham a percepção do que foi o debate. Segundo, no debate televisivo entre Rui Rio (PSD) e André Silva (PAN), as questões do moderador António José Teixeira foram maioritariamente dirigidas para os temas de conforto do PAN (ambiente), o que favoreceu imenso o desempenho do seu líder e prejudicou objectivamente o líder do PSD – como, aliás, foi justamente assinalado pela politóloga Marina Costa Lobo. Terceiro, os enviesamentos dos próprios painéis de comentário que carecem de pluralismo – são escolhas legítimas dos órgãos de comunicação, mas não são escolhas isentas. Por exemplo, o debate de ontem na rádio foi emitido pela TSF e, de seguida, comentado por quatro críticos acérrimos do governo PSD-CDS e da direita em geral – Paulo Baldaia, Pedro Marques Lopes, Daniel Oliveira e Pedro Tadeu. Inevitavelmente, a análise está orientada para um dos lados, logo à partida.
Como acima se assinalou, mesmo que habitualmente sobrevalorizados, os efeitos eleitorais dos debates de campanha existem e valerão alguns pontos percentuais. São esses poucos pontos que separam o PS da maioria absoluta. E, sendo ou não deliberados, vai-se constatando que não têm faltado empurrões para que essa meta seja atingida.