O Estado português pagou 55 milhões para comprar 22,5% do Grupo TAP, passando a deter uma participação de 72,5%. Terá sido um bom negócio?

1 O Estado, através da Parpública, já detinha 50% do capital do Grupo TAP. Mas esta participação representava apenas 5% dos direitos económicos. Com esta operação, os direitos económicos ficam alinhados com a percentagem de capital. Ou seja, economicamente, o Estado português comprou 67,5%.

2 O Grupo TAP integra a TAP Air Portugal e a Portugália, entre outras empresas, e tem tido uma história de resultados negativos (105 milhões de euros em 2019), apesar do crescimento da atividade e do bom desempenho do setor, nos últimos anos. A acumulação de prejuízos anuais gerou uma situação de capitais próprios negativos ou falência técnica.

3 De acordo com o trading update do primeiro trimestre de 2020 da TAP Air Portugal, o resultado líquido da empresa, não auditado, foi de 395 milhões (negativo!). Este valor é inequivocamente influenciado pela Covid-19: só em março, o resultado operacional foi de 93 milhões (negativo). As principais rubricas dos gastos operacionais do primeiro trimestre de 2020 incluem custos operacionais de tráfego (23%), custos com o pessoal (22%), custos com combustíveis (21%) e custos com depreciações, sobretudo das aeronaves (18%) – o habitual numa empresa de aviação.

4 Aos gastos operacionais é necessário somar a componente não operacional, que inclui juros e gastos, ou rendimentos similares, ou o imposto sobre o rendimento. Desde o ano passado, em resultado da mudança verificada no normativo contabilístico internacional, uma parte relevante dos custos com as aeronaves entra também na parte não operacional dos resultados. No 1.º trimestre de 2020, os resultados não operacionais do Grupo TAP foram de 240 milhões negativos.

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5 Mesmo sem nenhuma informação adicional, e desconhecendo por completo os resultados das restantes empresas do Grupo TAP, ou do segundo trimestre da TAP Air Portugal, mas assumindo que parte dos gastos indicados acima, por serem fixos, se mantêm em níveis similares aos verificados anteriormente, ainda que num cenário de encerramento de atividade e lay-off, será de antecipar um resultado líquido tragicamente negativo para o período entre 1 de janeiro de 2020 e a data da “nacionalização” dos resultados.

6 Arriscaria em mil milhões de euros. Mil milhões de prejuízo a juntar aos 581 milhões de capitais próprios negativos em 31 de dezembro de 2019. Se assim for, o Estado português “ganha” um goodwill de 1,1 mil milhões – ignorando valores pagos anteriormente e assumindo que não existem diferenças entre quantias escrituradas e justos valores. E que significa isto? Que foram pagos 55 milhões para comprar mais 67,5% de um conjunto de ativos líquidos com valor negativo de 1,6 mil milhões. Ou seja, que o Estado antecipa benefícios económicos futuros…

7 Há quem diga que não devemos olhar para a TAP da mesma forma que um investidor normal olha para um negócio, porque a TAP é uma empresa estratégica, de interesse público, que transporta a bandeira nacional pelo mundo. Porque emprega milhares de pessoas e é uma das maiores exportadoras nacionais, essencial para trazer turistas e equilibrar as contas externas. Porque é um baluarte da economia portuguesa, capaz de provocar um terramoto financeiro, económico e social, se desaparecer. Porque “not everything that can be counted counts, and not everything that counts can be counted”. E é este o nosso secular goodwill!