De acordo com o Relatório Anual da Contratação Pública publicado pelo Portal BASE, a atividade contratual do setor público no ano de 2022 ascendeu a 12,517 mil milhões de euros (valor que não inclui ajustes diretos simplificados e a contratação excluída do Código dos Contratos Públicos), representando 5,23% do PIB. Face a este peso da atividade contratual pública e à sua projeção nos mais variados setores económicos, nos últimos anos, as Instituições da União Europeia e o Estado português têm prestado cada vez mais atenção às suas potencialidades como alavanca para implementar políticas públicas, em particular de natureza ambiental e ecológica.

Neste contexto, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 132/2023, integrada na Estratégia Nacional para as Compras Públicas Ecológicas (ECO360), representa um dos mais consequentes instrumentos normativos. Com efeito, este diploma criou uma lista de critérios ecológicos que as entidades públicas tiveram de passar a incluir nos cadernos de encargos dos procedimentos de contratação pública a partir de 1 de abril de 2024.

Apesar de serem obrigatórios apenas para a administração direta e indireta do Estado, é previsível que as entidades da administração autónoma e independente os venham a adotar voluntariamente, quer por razões políticas, quer por posicionamento no mercado.

Os critérios ecológicos deverão passar a ser usados pelas entidades públicas como critérios de qualificação, fatores de adjudicação e especificações técnicas, aplicando-se aos mais variados setores (obras públicas, energia, aquisição e aluguer de veículos, aquisição de papel, mobiliário, equipamento informático, serviços de limpeza, de refeições/cantinas, aquisição de viagens e alojamento, entre outros).

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A título de exemplo, uma entidade pública que pretenda contratar um serviço de limpeza das suas instalações passou a estar obrigada a exigir dos concorrentes “um mínimo de uma ação de formação e sensibilização dos seus trabalhadores, por ano, sobre boas práticas ambientais”. Caso pretenda adquirir ou alugar um veículo, deverá contemplar no caderno de encargos uma pontuação mínima de 5% para o “custo de exploração do consumo de energia gerado pelo veículo durante o seu tempo de vida”. Já as empreitadas de obras públicas têm, obrigatoriamente, de incluir especificações técnicas relativas à “diversificação das espécies arbóreas e a sua seleção em função das vantagens ambientais que oferecem”.

Trata-se, portanto, de um vastíssimo leque de critérios de natureza e alcance diferenciado que passam a ter de ser ponderados, operacionalizados e avaliados por toda e qualquer entidade dos setores direto e indireto do Estado, independentemente do valor dos contratos, da dimensão do serviço ou da especialização do pessoal. Situação ainda mais complexificada pela circunstância de os novos critérios serem distinguidos em:

– Obrigatórios, que só podem ser afastados se “da sua aplicação resultar uma restrição sensível à concorrência”;

– Recomendáveis, cujo afastamento só é admissível em casos “especialmente fundamentados”;

– Voluntários; e

– Eventuais.

Se a justeza da inclusão de preocupações ecológicas na contratação pública é inegável, teme-se que esta abordagem generalizante sirva apenas para criar complexidade e entropia nos procedimentos e aumentar os preços para que o mercado esteja disposto a incluir os critérios ecológicos nas suas propostas.

Por outro lado, a reduzida margem de manobra das entidades adjudicantes para fundamentadamente decidir afastar os critérios obrigatórios e recomendáveis, , cria um risco sério de multiplicação de impugnações de decisões relativas à (des)aplicação dos critérios ecológicos.

Antevemos um longo período de adaptação das entidades públicas e dos operadores económicos a este novo paradigma, durante o qual o recurso a consultoria externa para operacionalização dos novos critérios será a principal solução, porventura permitindo que se perca por essa via os ganhos obtidos a nível ecológico. Só o tempo dirá.