Que sistema de saúde, e SNS, queremos? A resposta costuma consistir num longo conjunto de termos técnicos com os quais nos fomos familiarizando e que, intuitivamente, alcançamos o sentido e desejamos experienciar.

Um sistema de saúde de qualidade, seguro, equitativo, próximo, sustentável, universal, transparente e integrado.

A criação de Unidades Locais de Saúde (ULS) é uma aposta, anunciada, num modelo de prestação de cuidados integrados, onde os cuidados de saúde primários e os cuidados hospitalares funcionam – ou devem funcionar – em rede, e dá o mote a um ciclo de conferências sobre saúde que hoje começa na Assembleia da República.

Nos últimos anos, a inovação terapêutica – muitas vezes onerosa – tem contribuído para o aumento da esperança média de vida dos doentes com doenças crónicas, mas não foi suficiente para garantir uma boa qualidade de vida a estes doentes, que continuam a viver encarcerados num multiplicado número de consultas, exames, medicamentos e horas de espera em serviços de urgência e hospitais de dia.

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Os cuidados de saúde continuam a ser fragmentados e prestados reactivamente, em episódios autolimitados no tempo, impedindo que sejam contínuos e proativos na redução das hospitalizações e dos episódios de urgência, e na melhoria da qualidade de vida e da satisfação do doente, e dos profissionais de saúde.

Em causa, está a importância de reorganizar e gerir a prestação de cuidados, aumentando a capacidade de resposta do sistema de saúde, tendo em conta os recursos disponíveis, numa ótica de eficiência, qualidade e segurança. Ou seja, integrar e antecipar respostas assistenciais para evitar a utilização inadequada de recursos, como todos os dias vemos a propósito dos serviços de urgência.

Mas, mesmo em modelos organizacionais de integração vertical (cuidados hospitalares com cuidados de saúde primários), como as ULS, concebidos há já vários anos para funcionarem em rede, procurando uma real integração entre os diferentes níveis de cuidados, os desafios persistem:

• Por um lado, ainda existe um longo caminho a percorrer na definição e implementação de percursos integrados de cuidados, multidisciplinares e abrangentes, capazes de unir os vários prestadores de saúde.

• Por outro, apesar da tecnologia já disponível, os silos de informação permanecem e ainda não foi implementada uma solução que permita, de forma ágil, obter informação, estruturada, compilada e atualizada em tempo real, consoante a evolução de cada doente.

Hoje, quando procuramos um serviço de saúde esperamos que a nossa história, de certa forma, seja conhecida pelo médico e pelos profissionais de saúde. Esta expectativa exige – e bem – que o sistema de saúde seja eficiente, que evite duplicações de atos e que a informação seja utilizada no maior interesse do doente, como garantia da qualidade da prestação de cuidados de saúde.

Exige, por isso, que, do ponto de vista tecnológico, a multiplicidade de sistemas de informação utilizados em hospitais, centros de saúde e outras unidades, comunique entre si, atribua um significado único e inequívoco a cada informação que recebe ou transmite, e garanta a portabilidade dos dados, isto é, que os dados acompanhem o doente na sua jornada ao longo do sistema de saúde.

Com duas em cada três pessoas com mais de 65 anos a apresentarem pelo menos uma doença crónica complexa, a questão adensa-se, e a Organização Mundial da Saúde e a OCDE têm, recorrentemente, apontado a integração de cuidados como uma necessidade inequívoca para os sistemas de saúde atuais.

A integração de cuidados implica a articulação entre vários prestadores e, se é verdade que todos os prestadores devem ter a visibilidade sobre a informação relevante para a prestação de cuidados, também é verdade que os doentes precisam de conhecer, antecipadamente, o que se espera que aconteça a seguir.

Falamos de um “GPS” para a saúde, de uma jornada digital, tanto quanto possível previsível, que ultrapasse silos, que se baseia na evidência científica e que se ajuste automaticamente em função da situação clínica, das necessidades do doente, e sempre que um imprevisto aconteça.

Assim, é o investimento na organização dos cuidados que determinará se somos ou não capazes de concretizar os benefícios da integração de cuidados de saúde, para todos, de forma sistemática ao longo do SNS e do sistema de saúde. Sem um sistema de navegação – inquestionavelmente digital – que acompanha o doente dentro e fora das unidades de saúde, em todos os momentos, não é possível ir além de projetos locais de integração de cuidados que não chegam a todos os que precisam.

Que os cuidados de saúde sejam inteiros e nada dispersos.