Não é novidade para ninguém que 99% da realidade empresarial é composta por micro, pequenas e médias empresas (“PME”), onde quase 90% consistem mesmo em microempresas que se confrontam com muitos entraves quando o assunto é o investimento. Efetivamente, um dos fait-divers habituais prende-se com a afamada necessidade de capitalização das nossas PME, sendo que, neste capítulo, a dependência das empresas face ao crédito bancário é excessiva e já notória. Segundo adiantou o Presidente da CMVM, Luís Laginha de Sousa, 62% do total da dívida das empresas portuguesas correspondia a empréstimos bancários no final de 2022, o que quer dizer que o nosso tecido empresarial, na hora de se capitalizar e financiar, ainda recorre ao já tradicional crédito bancário. De acordo com o Banco de Portugal, para além do aumento exponencial do montante de novos empréstimos concedidos pelos bancos às empresas, a taxa de juro desses empréstimos praticamente duplicou entre o final de 2021 e 2022. O custo dos empréstimos é, assim, cada vez mais avultado.

Mais uma vez, o filme repete-se: a congeminação, tornada reminiscência, da falta de escala da economia portuguesa e das empresas, em particular. Para lá da premente diminuição da carga fiscal que assola empreendedores e empresários, torna-se necessário passar das palavras aos atos. E se é certo que os apoios públicos e fundos europeus se revelam importantes para acudir às reais necessidades, tão certo será o emaranhado burocrático, muitas vezes custoso na intermediação e moroso na execução, que submerge as empresas a um verdadeiro labirinto de fauno.

Todos nós comungamos do mandamento “tempo é dinheiro”, mas para quem é empresário e deseja elevar o seu negócio para outro patamar, a necessidade de agilizar é o sal da terra para a inovação, pelo que, passe a redundância, é-lhe muito cara a espera – seja pelo custo de oportunidade, seja pelo dinheiro efetivamente gasto na intermediação. De facto, quando falamos do acesso ao financiamento pelas empresas, parece paradoxal que, numa era onde, sem sair do lugar e com um telemóvel na mão, conseguimos, dentro de muitas possibilidades, facilmente atalhar o caminho para o nosso objetivo, a perceção que exista é a de que as opções se afunilem na via tradicional, isto é, a banca e apoios públicos, sem que se considerem ou se prevejam outras, como o mercado de capitais. Parte também do papel do governante e do legislador acompanhar as tendências, antecipar as necessidades e desburocratizar para lá do que a talho de foice se vai remendando: diversificar, agilizar e simplificar o acesso ao financiamento, tornando-o mais célere, mais próximo, menos custoso e adaptado aos novos tempos. Mas, afinal, como?

Se é atendível a perceção, quase secular, da importação de hábitos culturais “de fora” que o nosso povo, coloquialmente, nos vai passando, já a quimera da cópia de bons modelos e práticas noutros países para a nossa economia acaba por não passar de mito urbano ou, no limite, de uma transposição tardia e a más horas. Mas esses bons exemplos existem e merecem ser replicados. Veja-se o caso da figura das Sociedades de Crédito Direto (“SCD”) no Brasil, instrumento que surgiu precisamente para fazer face às prementes necessidades de diversificar as fontes de financiamento das micro, pequenas e médias empresas, dependentes do crédito bancário e das suas esdrúxulas taxas de juro, com grande sucesso nos últimos anos.

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As SCD consistem em instituições financeiras que efetuam operações de crédito e financiamento, como a concessão de empréstimos diretamente às empresas através de uma plataforma digital e utilizando apenas recursos ou capitais próprios. Podem ser denominadas como fintechs (financial technology ou tecnologia financeira), que se caraterizam por utilizar tecnologia inovadora na oferta de serviços ou produtos financeiros, neste particular fintechs de crédito.

Uma operação entre pares, diretamente de empresas para empresas, onde ambos ganham: do lado das PME, o acesso imediato a financiamento, sem burocracia e com custos reduzidos (através de taxas de juro competitivas); do lado das SCD, enquanto fintech, fruto dos baixos custos operacionais e boas margens resultantes das taxas de juro atrativas pela grande procura de crédito muitas vezes inacessível, como figuras devidamente reguladas, enquadradas e integradas na legislação portuguesa, sobretudo no âmbito do enquadramento regulatório de supervisão do Banco de Portugal. Com um quadro regulatório favorável, conseguir-se-ia atrair fintechs de renome mundial para, assim, com recursos próprios e sem interferir com o erário público (salvaguardando desde logo o bolso dos contribuintes portugueses), investir em Portugal e possibilitar o financiamento de muitas PME portuguesas, criando valor para o nosso país. Destarte, a futura integração do mercado de capitais e das moedas virtuais neste instrumento permitiria alargar o leque de operações de financiamento a que as PME poderiam recorrer e possibilitaria o surgimento de mais SCD.

Com o vislumbre de uma nova era tecnológica onde a descentralização financeira e o ideal de controlo sobre o nosso próprio dinheiro obrigarão a repensar o papel da intermediação, é certo que o advento de figuras como as SCD permitirá, com a natural diversificação das fontes de financiamento que a nova economia trará, acompanhar os novos tempos, elevar as empresas portuguesas ao patamar da sua ambição e integrar o futuro.