1 O habilidoso nunca perde uma oportunidade para mostrar que é um bom artista. Mesmo quando o palco é  uma fábrica de automóveis (o maior investimento internacional dos últimos 30 anos trazido para o país pelo Governo de Cavaco Silva), nada como António Costa colocar o seu sorriso matreiro e inventar o facto político da recandidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa.

Falemos então de Marcelo com uma pergunta inicial: o que deve fazer o centro-direita perante um candidato apoiada por PS e pelo PSD?

Comecemos por ser claros na análise do atual mandato do Presidente. Apoiar e ser apoiado por um partido governamental que não reforma nem investe no futuro, apoiar e ser apoiado por um primeiro-ministro que promove uma navegação à vista que gira entre um namoro inconsequente com a extrema-esquerda que apoia a Coreia do Norte e a Venezuela e um crescimento económico à conta de reformas feitas pelo Governo de Passos Coelho, e, finalmente, ser apoiado por um líder da oposição que nutre um ódio incompreensível num democrata a uma comunicação livre e plural e tem um problema pessoal com uma Justiça independente do poder político — nada disto é um bom cartão de visita para uma recandidatura.

Marcelo Rebelo de Sousa não é António Costa nem Rui Rio mas as ideias (e os apoios) destes também o condicionam num segundo mandato.

Veja-se o caso do Novo Banco que António Costa tentou esconder sem sucesso com o facto político da recandidatura de Marcelo. Encadeado que está pelas luzes de um resultado histórico que ultrapasse os 70,35% que Mário Soares obteve nas presidenciais de 1991, o Presidente meteu-se em assuntos internos do Governo que não são da sua competência constitucional e apoiou publicamente o primeiro-ministro contra o ministro Mário Centeno no meio da maior crise política dos Executivos de António Costa — e logo a seguir a declarações de apoio a uma recandidatura do líder do PS. Se não foi um negócio político (ou “complôs políticos”, como Marcelo lhe chamou este domingo), pareceu. Resumindo e concluindo: uma ‘marcelice’ perfeitamente dispensável.

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2 Passemos à pergunta seguinte: para que quer Marcelo um segundo mandato? Só o saberemos quando apresentar o seu manifesto eleitoral, claro. Mas se analisarmos o histórico do segundo mandato dos anteriores chefes de Estado, podemos afirmar claramente que será um mandato muito mais interventivo.

Por exemplo, Ramalho Eanes aproveitou o seu último mandato para acertar contas com o PS de Mário Soares e lançar as sementes de um novo partido (o Partido Renovador Democrático) que surpreendentemente levou os socialistas nas legislativas de 1985 para os 20% dos votos (com Almeida Santos como candidato a primeiro-ministro). Já Soares aproveitou o segundo mandato para converter-se no verdadeiro líder da oposição ao segundo Governo de Cavaco Silva, promovendo congressos da oposição e substituindo lideranças no PS. Enquanto que Jorge Sampaio derrubou o Governo de Santana Lopes de forma ilegítima para oferecer o poder ao PS e a José Sócrates.

Só Cavaco Silva, talvez por via da sua experiência com o Presidente Soares, teve um comportamento respeitador das competências constitucionais do Chefe de Estado, não se envolvendo em conspirações políticas. Mas foi objetivamente muito mais exigente com José Sócrates do que tinha sido no primeiro mandato.

Se o segundo mandato é claramente mais interventivo, qual será o objetivo de Marcelo: continuar a levar ao colo o PS de António Costa? Ou será refundar a direita a partir de Belém para deixar o seu partido no poder quando deixar o cargo (com infindáveis ‘marcelices’ pelo meio)?

A resposta positiva a qualquer uma destas perguntas é inquietante porque nem o apoio comprometido que o Presidente deu ao Governo do PS desde 2016 respeitou o interesse nacional, nem ao Chefe de Estado (que é um árbitro) compete imiscuir-se no jogo político dos partidos.

3 É por todas estas razões que existe espaço para que surja um candidato presidencial de uma direita moderada, europeísta e cosmopolita que se posicione entre um Marcelo do Bloco Central e o radicalismo oportunista e inconsequente de André Ventura.

Qual é vantagem de uma candidatura que deverá tentar unir liberais e conservadores com uma visão de futuro para Portugal?

  • em primeiro lugar, levará Marcelo a clarificar e a assumir compromissos mais eficazes com o centro-direita para uma visão reformista e de futuro para o país. Não cabendo ao Presidente da República governar, caberá certamente ao Chefe de Estado eleito por sufrágio direto e universal exigir reformas que tragam progresso económico e social sustentado e que rompam com a estagnação económica que marcou os últimos 20 anos.
  • por outro lado, uma candidatura da área liberal e conservadora poderá permitir refundar a área do centro-direita que é liderada por um PSD entregue a um homem que é tão social-democrata ou socialista (no contexto português, que não respeita os conceitos clássicos da ciência política, são sinónimos) como António Costa e a um CDS que está em estado de coma político.
  • finalmente, e não menos importante, permitirá à direita moderada distanciar-se de um projeto radical como o Chega. André Ventura representa o puro oportunismo político — como já o demonstrou bastas vezes — e uma direita que defende um Portugal moderno só tem de distanciar-se do radicalismo errado e inconsequente de Ventura. Essa também será uma boa forma de diferenciação face às visões utilitaristas que o PS de António Costa tem da extrema-esquerda PCP e do Bloco de Esquerda.

Depois do Expresso ter avançado com o nome de Adolfo Mesquita Nunes — um bom candidato com as ideias e os valores corretos, mesmo para o eleitorado mais conservador —, veremos que outros nomes se perfilam. Não tem de ser um nome vencedor — o vencedor antecipado é Marcelo Rebelo de Sousa — mas tem de ter a capacidade de influenciar a campanha e ficar à frente de André Ventura.