1 Não é preciso ser médico ou epidemiologista para perceber que as medidas de combate ao coronavírus que o Governo de António Costa está a tomar são tardias e reativas — o pior que pode acontecer quando o crescimento dos infetados é exponencial e tem uma taxa diária de crescimento de 40,8%, como diz o matemático Jorge Buescu aqui.
Portanto, lamento, mas não posso entrar no coro de elogios ao primeiro-ministro. E muito menos ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que, de forma completamente amadora, fez uma comunicação ao país este domingo em piores condições técnicas que um vídeo feito no YouTube pelo meu filho e os seus amigos pré-adolescentes. Oferecer ao país uma imagem desfocada e um cenário de uma espécie de escritório de professor de Direito transformado em bunker anti-coronavírus não promove a segurança e a confiança que os portugueses têm de ter mais do que nunca no Estado.
Numa democracia, as críticas aos poderes públicos servem para estes melhorarem o seu funcionamento — e não para afagar o ego dos políticos.
Mas vamos por partes. O meu ponto de partida é simples e chama-se Espanha — o único país com o qual Portugal tem fronteira terrestre e o nosso principal parceiro económico, com tudo o que isso implica em termos de dinâmica social. Ora, sabendo desde há mais de uma semana que o caso espanhol é o segundo mais grave de toda a Europa — atingindo já 9.191. infetados e 309 mortos (dados de segunda-feira, dia 16 de março) — o Governo decidiu esperar vários dias para determinar a reposição da fronteira terrestre com Espanha.
António Costa não quis tomar a decisão unilateral de fechar as fronteiras — como a Áustria fez com a Itália no dia 10 de março e como países como a Alemanha, Suíça, Eslováquia, República Checa, Polónia e Dinamarca determinaram nos últimos dias. Pelo contrário, com pruridos diplomáticos, Costa anunciou este domingo que vai gerir a nossa fronteira em conjunto com Espanha, determinou o fim das viagens turísticas e de lazer e preferiu esperar que o Conselho de Ministros da Administração Interna determine uma espécie de suspensão do Espaço Schengen.
Só ao fim desta manhã de segunda-feira é que o ministro Eduardo Cabrita anunciou o óbvio: o fecho das fronteiras com Espanha e a reposição de controlo em nove pontos da fronteira terrestre. Mas, inexplicavelmente, ainda não foram proibidos voos entre Portugal e Espanha à hora a que escrevo este artigo (13h de 16 de março). A medida ainda está em estudo.
2 Veja-se só os dados das regiões espanholas que fazem fronteira com Portugal, de acordo com dados do El Mundo às 13h de 16 de março: Castilha-La Mancha (567 infetados, 17 mortos), Andaluzia (554 infetados, 7 mortos), Galiza (245 infetados, 2 mortos), Extremadura (111 infetados, 2 mortos). Só nas regiões fronteiriças estamos a falar de um total de 1.477 infetados e 28 mortos. Nem vale a pena falar da Comunidade de Madrid, onde o surto do coronavírus já contaminou 4.165 pessoas e onde já morreram 213 pessoas.
Pior: basta ver a evolução do boletim diário da Direção-Geral de Saúde para perceber que o maior número de casos importados têm obviamente origem em Espanha. Nesta segunda-feira já eram 16 casos — e, como diversos especialistas já afirmaram, há ainda mais casos que ainda não foram detetados.
Isto são dados mais do que suficientes para constarmos que o fecho das fronteiras terrestres, aéreas e marítimas com Espanha já devia ter sido decidido há vários dias.
Ou, no mínimo, já devia ter começado na semana passada um controlo apertado das fronteiras terrestres, aéreas e marítimas com Espanha — o que também só passou a acontecer pontualmente a partir de sábado, sendo agora reforçado com o controlo sanitário nos aeroportos, segundo anunciou a ministra da Saúde esta segunda-feira. Até as regiões autónomas da Madeira e dos Açores estão a aplicar esse controlo e a imposição de uma quarentena a quem venha do exterior desde a semana passada. Mas o Governo da República decidiu esperar.
Pior mesmo são as hesitações. O mesmo ministro da Administração Interna (Eduardo Cabrita) que anunciou esta segunda-feira a reposição do controlo em nove postos fronteiriços com Espanha é o mesmo que afirmava incompreensivelmente na sexta-feira que “não se justifica o encerramento das fronteiras” com um país que nesse dia 13 de março já tinha mais de 3.000 infetados e cerca de 80 mortos (repito, hoje, três dias depois, são 8.794 infetados e 297 mortos).
Até a Comissão Distrital de Proteção Civil de Bragança já recomendava o fecho de fronteiras no sábado. Eis um perfeito exemplo de como o Governo está a andar atrás dos acontecimentos — e não a antecipá-los.
A melhor prova de como o encerramento de fronteiras já vem tarde é o caso dos dois camionistas italianos de mercadorias que entraram em Portugal sem nenhum controle (e foram parar no sábado ao Hospital da Guarda com suspeitas de coronavírus). Ou o caso dos turistas brasileiros que foram proibidos de atracar em Lisboa, desviados para Cádiz e que fizeram a viagem de autocarro de regresso a Lisboa para apanhar um avião no aeroporto Humberto Delgado, acompanhados pela GNR.
3 E o que dizer do pequeno espetáculo sobre o estado de emergência a que assistimos este domingo em que António Costa empura a bola para Marcelo e o Presidente anuncia a convocação de um Conselho de Estado que só se realizará daqui a 48 horas?
É verdade que essa é uma competência exclusiva do Presidente da República — que apenas pode tomar essa decisão após ouvir o Governo e obter a autorização da Assembleia da República. Mas num momento tão singular como este, em que os nossos líderes políticos têm de mostrar uma grande capacidade de liderança e de coesão, é incompreensível que uma declaração do estado de emergência seja adiada para daqui a 48 horas.
48 horas. Dois dias inteiros em que, segundo o matemático Jorge Buescu, podemos vir a ter entre 700 a 917 cidadãos infetados. Numa altura em que vários especialistas afirmam que é essencial tomar decisões de forma rápida e expedida, o nosso Chefe de Estado e o Governo deixam uma decisão sobre o estado de emergência no ar para ser decidida na quarta-feira. E com o primeiro-ministro a elogiar o cumprimento exemplar dos portugueses de estarem em casa a um domingo quando a diretora-geral de saúde dá conselhos a todos aqueles que vão trabalhar no dia seguinte.
Este espetáculo do estado de emergência diz bem como estamos a desaproveitar tempo quando o nosso único vizinho é, de longe, o segundo pior caso da Europa. É um tipo de indecisão que é perfeitamente desnecessária — e ela própria gera desconfiança e insegurança. Vale mesmo o emoji dos olhos virados para cima.
Se o Presidente da República e o Governo entendem que o estado de emergência deve ser decretado, e vários especialistas apontam nesse sentido, então concertem-se, falem com os partidos com assento parlamentar e informem a Opinião Pública de forma clara e expedita de quando o Estado de Emergência entra em vigor. Em vez de andarem a falar de medidas que só vão ser tomadas daqui a dois dias.
Portugal precisa de união neste momento mas também precisa de uma classe política que esteja à altura dos acontecimentos. Não me interessa muito neste momento analisar o desgaste que o Presidente da República e o Governo podem vir a ter com a crise do coronavírus. Mas interessa-me de sobremaneira que os nossos líderes seja bem sucedidos num momento em que estão sob grande pressão. Porque o sucesso deles só se verificará se a nossa comunidade conseguir vencer esta guerra contra um inimigo invisível. E esse é o objetivo de todos.
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