1. Mesmo depois do tsunami no final de 2005 na Ásia do Sueste, calhei passar pelos Estados Unidos. O tsunami estava em todos os noticiários e o então presidente, George W. Bush, convidou dois antecessores para coordenarem a ajuda americana às zonas afetadas: o seu pai e Bill Clinton. Vi um ou outro programa televisivo onde ambos eram entrevistados sobre o que estavam a organizar. E houve algo que me surpreendeu – me enterneceu.
Entre os ex-presidentes, ex-opositores políticos, um surripiou a reeleição a outro, havia um imenso respeito. E admiração, cumplicidade, amizade, afeto. Aqueles homens, em tempos adversários, respeitavam-se, gostavam um do outro, estavam visivelmente encantados por trabalharem juntos numa missão que reputavam de importante.
Lembrei-me disto quando vi a fotografia do abraço de Michelle Obama a Bush filho na inauguração do Museu de História e Cultura Afro-Americana. E quando fui lendo as notícias sobre a fotografia, dando conta de como a administração Obama valorizou o comportamento de Bush durante a transição das presidências e como ex-presidente, e das boas relações dos casais Bush e Obama.
Mas na verdade lembro-me deste apreço entre Clinton e Bush pai muitas vezes. Pela pior razão: ao verificar o nível de acrimónia e de falta de respeito que existe entre os políticos portugueses, mesmo aqueles que ocupam cargos reservados a meia dúzia, como primeiro-ministro ou Presidente da República.
Por cá tivemos o presidente Soares, que, mal percebeu que Cavaco Silva queria ocupar o lugar que via como seu, correu a candidatar-se contra o seu em tempos primeiro-ministro. Com uma arrogância malcriada tratava Cavaco Silva, nos debates, por ‘ele’ e acusava-o de fazer má figura nas reuniões europeias por não ter mundo nem conversa. António Guterres, depois de se tornar pm, teve a falta de gosto de mostrar a parte residencial do Palácio de São Bento onde o antecessor Cavaco Silva tinha vivido com a família, fazendo críticas ao espaço. António Costa desce ao nível boçal de dizer ao seu antecessor, e opositor político, para ir caçar pokémons. Também não resiste ao sexismo em plena Assembleia da República de tratar Assunção Cristas como uma mulherzinha desnorteada.
José Sócrates (sempre exemplo quando se trata de assunto negativo), na famosa entrevista propagandística a Clara Ferreira Alves, mostrava ser um poço de ressentimentos explosivos para com todos aqueles que na sua carreira não se haviam rendido ao brilhantismo que o senhor julga deter (Schäuble era um ‘estupor’ e por aí adiante). À direita, apesar de serem mais contidos nos excessos deseducados, é também palpável o desprezo.
Além do MoMA, e da Frick Collection e dos edifícios art deco de South Beach, esta maior qualidade das pessoas que chegam aos lugares políticos de topo é mais uma razão que tenho para invejar os Estado Unidos. Saber estar, civilidade, magnanimidade, não regar os ressentimentos, capacidade de perdoar ofensas e mais umas tantas qualidades apelativas. Lá abundam; por cá vê-se pouco entre políticos. Parecendo que não, explica muita coisa.
2. Aproveito para inquirir que áreas de investigação e resgate as forças de segurança acionaram para solucionar o rapto de Mário Nogueira? Presumindo que não tenha sido raptado pelos extraterrestres que a China procura com o seu novo telescópio, é bem provável que esteja em alguma cave húmida, com os pulsos atados atrás das costas e uma mordaça na boca. Urge salvá-lo.
O experiente sindicalista e alegado professor certamente nunca nos perdoará se o impedirmos de protestar vigorosamente contra o governo reacionário (o atual) que deixa alunos duas semanas depois do início do ano letivo ainda sem os professores de todas as disciplinas colocados. Apanhei no twitter quem informasse que uma filha não tinha ainda um terço das aulas. E há notícias aqui e ali. Muitas escolas estão com uma tremenda falta de auxiliares – potenciada pela reversão para as 35 horas de trabalho para os funcionários públicos -, com serviços que fecham à vez para os auxiliares poderem vigiar os alunos.
A secretária de estado Alexandra Leitão – aquela senhora que confia tanto na escola pública que tem os filhos na muito privada Escola Alemã – teve de fugir em Mondim de Basto. Fugiu de pais maldosos, cheios de ressabiamento no coração, implacáveis no intento de contrariarem a narrativa do senhor primeiro-ministro (que parece fazer questão de nunca acertar com o que se passa no país) sobre um início de ano escolar supostamente de uma irrepreensível normalidade.
Como se sabe, de cada vez que um professor em Valença do Minho espirra, Nogueira vai atrapalhar o trânsito da Avenida 5 de Outubro em frente ao ministério da educação. (Já tive escritório lá muito perto e havia alturas em que o circo era permanente.) Pelo que a sua ausência, perante tanto sobressalto deste ano letivo, só pode significar rapto por alguns meliantes que querem arruinar a reputação contestatária do sindicalista. Libertem Mário Nogueira JÁ.