Sábado, 16 de Março de 2024, era previsto que entrássemos na sala de reuniões do Hotel Four Seasons às 15:40, contudo, a pessoa encarregada de receber-nos tinha uma agenda apertadíssima. Lá vi a a Senhora Tânia, alguém de trato fácil e sempre com aquela aura dos eternos otimistas que só a sua presença transmite. Ela chegou pertinho de nós e disse: “Meninos, convém sentarem para não ficarem cansados”, pois imagino que assim como eu, ela também pôde ver o nervosismo no semblante dos nove jovens que ali estavam, representando a comunidade angolana na China. Confesso que já não me recordo os minutos exatos em que fomos recebidos, mas foi por volta das 16h.

E então lá estavamos nós, saudando o Presidente da República [João Lourenço]. Para muitos foi uma tarde de sábado comum, onde muitos se reuniram com suas famílias para um daqueles almoços tradicionais de entre muitas famílias angolanas,  passados ao som de músicas antilhanas e aquela alegria tão característica do nosso povo. Não obstante, eu estava passando por uma experiência única e que apenas algumas semanas atrás não fazia ideia que se aproximava tão rapidamente. Lá estavamos nós, apertando a mão do mais velho, e de igual modo, representando uma comunidade heterogénea de angolanos na China. Por mais que não necessariamente  compartilhemos as mesmas convicções políticas, todos convergimos sobre a noção de imparidade e a sensação de solenidade que um momento como este representa. E quem acompanhou um pouco o meu percurso, sobejamente sabe que nada me predestinou a estar na mesma sala que um Chefe de Estado.

É impossível chegar a um grande momento como este sem uma profunda retrospectiva passar em minha mente. Lembro-me perfeitamente do momento que contei para minha mãe que havia ganhado uma bolsa do governo chinês através do governo provincial do Zaire e da FESA (Fundação Eduardo dos Santos) para frequentar o ensino superior em Pequim. Foi há mais ou menos seis anos e meio, numa daquelas tardes ensolaradas que bem caracterizam a “primavera”, se assim posso dizer, da cidade capital do antigo reino do Congo. Enquanto acompanhava a mamã à lavra, disse-lhe que o meu nome constava da lista dos alunos com as melhores médias que a minha antiga escola enviou ao governo provincial. E ela respondeu dizendo:  “Oh, pai! Mas nós não temos alguém que trabalha lá”,  audaciosa e quase automaticamente retorqui: “Mamã, temos Deus, e acredito na meritocracia”. Suspeitava que minha mãe não sabia o que a palavra meritocracia significava, mas também sabia que é a pessoa que mais confia nos planos de Deus, e no papel que cada um de nós desempenha para que o destino seja consumado. E esta filosofia – que para ela é um estilo de vida – me faz enxergar a sabedoria ímpar desta mulher que nem sequer terminou o ensino primário,  e ainda assim é das mais fervorosas crentes da famosa frase de Nelson Mandela, “a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. Mandela é o único famoso de quem minha mãe é verdadeiramente fã, obviamente, depois de Jesus Cristo.

Curioso. Esta frase de Madiba retrata perfeitamente um capítulo anterior de minha vida, marcado pela esperança e a ânsia que transbordava  no olhar dos concorrentes das outras províncias, que em 2016 tive o enorme prazer de conhecer ao fazer parte do grupo dos cinco estudantes que representaram a província do Zaire na fase nacional do Concurso Sucesso Escolar – Mérito Estudantil, vulgo “Sábados Académicos”. As tardes de debates filosóficos que mantive com o colega Hamilton da Lunda Sul, que hoje considero um amigo, e os colegas do Kwanza Sul – que foram os grandes vencedores daquela edição – no Complexo do Futungo de Belas onde estávamos alojados, me fizeram crer, por alguns instantes, que a meritocracia une destinos para a realização da promessa republicana, que visa promover a igualdade de oportunidades, abrindo para os demais as portas do elevador social.  Assim sendo, é extremamente gratificante olhar para trás e lembrar dos diversos anos passados na Escola Sagrado Coração e dos fins de semana no Colectivo de Artes Daniel Vemba, e perceber que entre ensaios de teatro e poesia e o sonho de ser escritor, – para alegria de meu antigo mentor e professor de Língua Portuguesa, Manuel Vica – a arte me fez viajar no tempo e viver outras realidades que de diversas formas, me trouxeram e prepararam para tudo que estou vivendo atualmente. E é só o início.

Por fim, esta busca pela liberdade levou-me a apreciar os meandros das Finanças; e o zelo de servir me fez mergulhar nos pergaminhos dos grandes tecnocratas da era moderna, enquanto mestrando em Finanças Públicas. E hoje transcrevo a minha  trajectória nas entrelinhas das incertezas que caracterizam o destino, para amanhã poder folheá-la com o frenesim de quem devora um romance picaresco. Pois não sei para vocês, mas para mim… se eu for o autor da minha própria história, – e sou! – escolho ser livre e audacioso, para que ninguém além de mim escreva os próximos capítulos desta odisseia que chamamos vida.

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