Era uma daquelas madrugadas de atmosfera tumultuosa e insubmissa que, na verdade, pouco carateriza as terras mais ocidentais da África continental, era possível ouvir um rugido jovem que acompanhava as ondas de ansiedade, que inundavam de esperança toda a costa do Oceano Atlântico. Era uma juventude que encarnava a bravura dos Leões de Teranga e despertava antes que a alvorada invadisse os inúmeros palácios de chapas de zinco, dos intermináveis bairros de lata de Saint-Louis.

A nação acordou muito antes do cântico matinal do galo da vizinha Aminata, cujo filho emigrou para França, passando pelo Mediterrâneo, e encontrou nas ruas de Marselha o caminho para a tal “vida melhor”. Longe das terras onde já não germinam os anseios de Senghor, onde os governantes têm um olhar apressado que os inibe de ver a miséria do seu povo, e onde do céu dos seus palácios só cai maná em véspera de eleição. Todavia, naquele dia o vento soprava numa nova direcção. O país tinha um encontro marcado com o destino, e todos tinham um imprescindível papel a desempenhar.

Filas longas, cheias de gente repleta de esperança, percorriam os subúrbios de Dakar e as periferias de Paris – afinal, a diáspora senegalesa também tinha um compromisso com a pátria. – Uma moldura humana fez-se presente para pintar o dedo com a tinta indelével, e assim, marcar o vermelho e o verde do PASTEF (Patriotas Africanos do Senegal pelo Trabalho, Ética e Fraternidade) como as cores que definem o rumo que o país de Léopold Sedar Senghor deve seguir nos próximos cinco anos.

Senegal é, para muitos, o último farol de democracia para uma região solapada por golpes de Estado. Porém, nos últimos meses o país foi palco de um teatro político cujo enredo centrava-se no pecado original das elites africanas de adiar as eleições presidenciais, e uma tentativa falha de utilizar-se desta estratégia para “perpetuar” o reinado de Macky Sall, e desta forma, como em muitos países africanos, garantir a sobrevivência da endogamia política, que infelizmente, há décadas, submerge o progresso social de todo um continente. Contudo, os últimos suspiros do seu mandato serviram apenas para destapar o ego de um velho actor que queria persistir em cena, enquanto o público já ovacionava o jovem actor que humildemente emergia dos bastidores das prisões de Dakar.

Foi neste contexto de crise política e tensões sociais – marcado por episódios de impasse entre a principal figura da oposição, Ousmane Sonko, e o Governo, causando dezenas de mortes e centenas de detenções, – que os senegaleses dirigiram-se as urnas e, num audacioso acto de esperança, elegeram um jovem de origem modesta como seu novo regente, dando início a escrita de um novo capítulo na história do país.

Mais do que uma mudança de paradigma generacional, é um terremoto político e uma “escolha de ruptura”. Ao menos é assim que Bassirou Diomaye Faye caraterizou a sua eleição. Libertado da prisão apenas dez dias antes das eleições, quiçá este seja o simbolismo de uma brisa que antecede os ventos de uma revolução democrática, que libertará África das correntes de verticalidade política, que há décadas aprisiona os anseios desta juventude, ávida de reavivar o sonho africano e juntos construirmos um berço de progresso e de harmonia como herança para a humanidade dos séculos vindouros.

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