Quando em 1856, no regresso da viagem inaugural de um comboio em Portugal, o Rei D. Pedro V se viu apeado por uma avaria nas tubagens, não estaria longe de imaginar que em 2021 o ministro das Obras Públicas, Pedro Nuno Santos, também ficaria apeado por falta de verba para as rodas das locomotivas da CP. A CP necessita de investimentos de modernização que obrigam, em permanência, a uma criteriosa ponderação económica nas opções, permitindo que a sua gestão operacional deixe de acrescentar prejuízos e dívida ao seu histórico endividamento crónico.

Desde o atribulado início dos investimentos necessários à entrada da modernidade do vapor no país, passando pelo endividamento acumulado para o avanço dos caminhos-de-ferro planeados por Fontes Pereira de Melo, terminando nos primeiros quilómetros de rede desativados por Cavaco Silva, o país passou por muitos altos e baixos económicos, vários resgates financeiros internacionais, avanços e recuos no planeamento dos transportes públicos e inversões de marcha nas prioridades da mobilidade coletiva.

Portugal tem hoje 1095 km de linhas de comboio desativadas, sendo que a grande maioria se encontra no interior do país e na região do Alentejo. A grande fatia dos encerramentos foi justificada com razões económicas, por falta de procura e viabilidade financeira da sua manutenção. Linhas de enorme importância como o Corgo, Dão, Tua e Vouga, que serviam capitais de distrito como Chaves, Bragança ou Viseu, foram encerradas e a maioria continua sem utilização.

Estas linhas têm sido aos poucos cedidas pela CP para que os municípios possam reconvertê-las em ecopistas, dando um novo rumo e uso a estes espaços. É um caminho que suscita algumas dúvidas na opção de investimento mas que merece reflexão aturada e ponderada dadas as variadas vertentes e virtudes que a escolha encerra.

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Um pouco por todo o país, a recuperação destes caminhos permite a captação de um turismo de natureza, de amantes do campo e dos passeios pelas mais belas e variadas paisagens que o Minho, Alentejo ou Trás-os-Montes nos oferecem. A par disso, há todo um património de estações e apeadeiros que vão sendo recuperados, podendo potenciar novos negócios de alojamentos, restaurantes ou pontos de apoio aos caminhantes e cicloturistas. Temos ainda a recuperação e manutenção de grandes obras de engenharia, principalmente pontes e túneis que merecem divulgação e estima. Servem o interior do país com incentivo à prática de desporto por populações inteiras que estão longe dos grandes centros de decisão e de eventos importantes.

Temos assim um conjunto de áreas servidas pelo projeto de recuperação destas vias, ambiente, mobilidade suave, turismo, património, desporto e lazer, numa abordagem integrada a um território isolado, com inúmeras vantagens que culminam na manutenção do espaço circulante, permitindo que no futuro se possa voltar a reativar o comboio e ouvir a buzina de aproximação do monstro de ferro. Num país onde a maioria da população que vive na cidade demonstrou vontade de se mudar para o campo, talvez não seja despiciendo avaliar as vantagens desta abordagem ao planeamento territorial.

O Prémio Europeu recebido pela qualidade da recuperação da Linha do Tâmega, projeto da Associação de Municípios do Baixo Tâmega comprova que a Ecopista do Tâmega será mais uma âncora regional que complementará as ofertas existentes, como a Rota do Românico, construindo mais uma rede de complementaridade entre os territórios servidos. Do Arco de Baúlhe a Celorico ou de Mondim a Amarante, conquistou-se uma ecopista e recuperaram-se algumas estações históricas, dando uma nova vida a uma das zonas mais pobres do país. As terras de Basto e do Tâmega estão de parabéns por este prémio, demonstrando que as Comunidades Intermunicipais são já um instrumento suficiente para concretizar a descentralização que tarda no país.

Por todo o país estão já disponíveis 332 quilómetros de ecopistas esperando-se que em breve possam passar a ser mais de 800 km disponíveis para usufruto das populações e turistas. Se é certo que não é o regresso do comboio que alguns autarcas anseiam e reclamam, também ficamos convictos de que dificilmente haverá lugar a megalomanias de projetos insustentáveis a longo prazo. Até porque, por estes dias, é mais económico e expedito substituir as rodas de uma bicicleta do que as rodas de uma locomotiva.