Parece que só há uma coisa que a actual direcção do PSD não quer ser: “burra”. “Burra”, neste caso, terá o popular sentido de “pouco esperta”. Sinceramente, não percebo a preocupação. Que eles não são burros, viu-se na noite do dia 6, quando decidiram ganhar as eleições às sondagens: havia sondagens que previam pior, logo o resultado não tinha sido tão mau como isso. Que eles continuam a não ser burros, está-se a ver outra vez, em véspera de eleições internas, com a insinuação de que talvez viabilizem os orçamentos de António Costa: ou seja, os caciques partidários passaram a saber que, com eles, podem beneficiar de cumplicidades com o governo, ao passo que com os seus rivais apenas podem contar com mais quatro anos de distância do poder. É a esperteza do já proverbial queijo limiano.

Para a Rui Rio, o inimigo principal continua dentro do PSD. Até por isso, o governo socialista só lhe pode aparecer como um aliado. E como os inimigos de Rio são aqueles que, no PSD, recusam concessões ao poder socialista, são também os inimigos de António Costa que, para dispensar a primeira geringonça, precisa agora de boas vontades à direita. O entendimento é fatal.

Percebe-se o plano de Rio: juntar-se ao PS, fazer acordos com o PS, sustentar o PS, tudo isso disfarçado, agora que vai ser líder parlamentar até ao congresso do partido, por alguns debates mais enérgicos na Assembleia da República, do tipo com que deixou a imprensa de boca aberta no mês passado. As bocas ainda continuam abertas, a pedir tempo para Rio: o homem ainda chega lá, é dar-lhe tempo! Talvez chegue, da mesma maneira como Raul Brandão dizia que na tropa quem vivesse até aos cem anos chegava pelo menos a capitão. Mas é preciso perceber como é que Rui Rio lá vai chegar.

Rio e os seus conselheiros pretendem situar o PSD como um simples parceiro de rotação com o PS: não como uma alternativa, mas como um suplente. Quando não houver dinheiro e Costa perceber que convém aos socialistas tirarem umas férias mais longas, lá estará Rio em primeiro lugar na fila dos possíveis substitutos. É a forma mais fácil de chegar ao poder, apostando apenas na roda da fortuna. Mas para isso, Rio não pode confrontar verdadeiramente António Costa e os seus apoios. Pode falar de “reformas”, mas apenas daquelas a fazer com o PS (isto é, nenhumas). Pode entusiasmar-se, mas apenas nas causas partilháveis com o PS: o esquartejamento partidário do Estado ou a submissão do Ministério Público ao poder político. No fundo, trata-se de dar às clientelas do PS a garantia de que nada mudará com o PSD. Que mais poderiam desejar os socialistas, para a eventualidade de o “ciclo político” variar, do que um sucessor que lhes dê a segurança de que, quando voltarem, encontrarão tudo como deixaram?

O problema, no entanto, não é só Rui Rio. É toda uma classe política que se fechou no Estado como instrumento para controlar a sociedade, e que por isso não bate uma pestana com o facto de menos de metade do eleitorado votar. É também uma classe comentadora fascinada pelo poder, e portanto mais do que ansiosa por se embasbacar perante habilidades e espertezas, independentemente de qualquer finalidade. O sucesso passou a medir-se em tempo de poleiro. Costa aguentou quatro anos no governo? É um génio. Rio já é líder do PSD há quase dois anos? É outro génio. Abençoado regime que descobre talentos tão facilmente.

Chesterton dizia que quando os homens deixam de acreditar em Deus, passam a acreditar em qualquer coisa. No caso dos regimes políticos, quando deixam de acreditar nos seus fins, passam a acreditar em quem manda. Estamos assim.

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