Como todas as simplificações, o título deste artigo é parcialmente injusto. Por um lado, porque nem toda a conduta do governo foi sofrível. Com o país no limiar da bancarrota, executar e concluir, ainda que imperfeitamente, um programa de ajustamento que evitou a ruptura do Estado merece crédito. Como merecem também ser elogiadas as reformas no bom sentido levadas a cabo em alguns (poucos) segmentos da governação, como no sector do turismo ou em algumas áreas dos transportes e da defesa.

Por outro lado, é justo reconhecer que nem toda a oposição assusta. Continuam, felizmente, a existir vozes credíveis no PS e é um erro tratar o partido como a versão portuguesa do Syriza. Reafirmo o que escrevi aqui sobre a boa ­ ainda que insuficiente ­ opção de recrutar alguns economistas de créditos firmados no contexto português para tentar travar a identificação crescente do PS com posições extremistas. Estou certo também que subsiste ainda muita gente no PS que tem optado pelo silêncio por lealdade institucional mas que não assistirá passivamente à continuação da radicalização do partido a partir de 5 de Outubro.

No entanto, ainda que o título possa ser parcialmente injusto para os dois lados visados, creio que infelizmente descreve bem o essencial da decisão com que estão confrontados os eleitores portugueses. Quanto ao Governo, é impossível esquecer a incapacidade (por bloqueios externos mas também por inabilidade interna) de iniciar uma reforma estrutural do Estado que permitisse reduzir o seu peso e libertar a sociedade civil. Se o enorme aumento de impostos anunciado por Vitor Gaspar foi a confissão pública de desistência neste domínio, o infame guião da reforma de Paulo Portas foi o momento no qual a desistência se transformou numa anedota.

Para sustentar o Estado, a pressão fiscal intensificou-­se para níveis sem precedentes e os abusos da máquina fiscal, naturalmente, também []. Tudo isto levado a cabo por uma coligação que integra o ex­”partido do contribuinte”. O sucesso no saque fiscal permitiu manter praticamente intocado o status quo nas políticas e grupos que mais se alimentam do Orçamento enquanto o sector privado levou a cabo um dos mais dolorosos e notáveis ajustamentos das últimas décadas. Pelo meio, não faltaram também exemplos de politicas lamentáveis. Desde a mal concebida e pior implementada CRESAP ­ um erro que levará muito tempo a corrigir ­ à aberrante nova lei da cópia privada, sem esquecer a tributação “verde”.

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Também não pode ser esquecido o episódio da demissão “irrevogável” de Paulo Portas, ainda que o mesmo tenha servido também para demonstrar a perseverança de Pedro Passos Coelho que, conjuntamente com o sentido de Estado de Cavaco Silva, permitiu ao país evitar a grave crise política que a irresponsabilidade do líder do CDS quase desencadeou. A liderança de Passos Coelho merece também crédito por ter resistido às fortes pressões para usar a CGD para “salvar” o BES, ainda que seja cedo para afirmar a extinção das velhas práticas do passado nesse domínio.

Quanto à oposição, o cenário tem pouco de rosa e muito de negro. Sob a liderança de António Costa, o PS foi incapaz de assumir os erros do passado e dar garantias de que não os vai repetir. Pelo contrário, depois de afastar Seguro da liderança da forma que se viu, recuperou para junto de si algumas das principais figuras do socratismo. Pior ainda, colocou em posições de destaque e responsabilidade elementos notoriamente syrizistas. Um processo de radicalização em curso que ficou bem evidenciado na garantia de que o PS inviabilizará um governo minoritário da coligação, só estando disponível para uma solução governativa com a extrema-­esquerda.

Não é demais recordar em que consiste essa extrema-­esquerda. Tanto PCP como BE ­ assim como a ala syrizista do PS ­ defendem políticas irresponsáveis e incompatíveis com a manutenção de Portugal no euro. As nacionalizações que exigem, mesmo que aplicadas apenas parcialmente, mergulhariam o país numa crise só comparável à do desastroso processo revolucionário levado a cabo depois da revolução de 25 de Abril de 1974. Processo esse que só foi travado pela gradual normalização democrática do regime, em que o PS teve um papel central mas que agora parece cada vez mais esquecido.

Em defesa de António Costa, é justo reconhecer que o próprio não é inepto nem ideologicamente radical. Na ausência de Guterres, seria até um forte candidato de esquerda a Presidente da República se tivesse optado por esse caminho. Mas cometeu o erro, porventura politicamente fatal, de seguir maus conselhos e uma orientação estratégica de alto risco. Personalidades como Porfírio Silva, José Pacheco Pereira ou Nicolau Santos terão certamente os seus méritos, mas não são representativos do eleitorado português moderado em 2015. Anunciar o veto incondicional de um Orçamento que se desconhece ao mesmo tempo que se mostra abertura para uma coligação com entusiastas dos regimes da Coreia do Norte e da Venezuela é uma receita que só pode assustar esse eleitorado.

Em resumo, face ao desempenho governativo dos últimos quatro anos, é difícil conceber que alguém que preserve um mínimo de sentido crítico vote entusiasmadamente na coligação PSD/CDS. Considerando esse desempenho, é até compreensível que haja muitos eleitores que votaram no PSD e no CDS em 2011 e que estejam agora inclinados a abster­se ou a um voto de protesto. Boa parte desses eleitores poderiam inclusivamente estar inclinados a votar no PS se o partido tivesse sido capaz de se distanciar claramente dos erros do passado recente e de se apresentar como uma alternativa moderada e credível para a governação do país. Infelizmente, nada disso aconteceu e, o que é mais grave, a actual liderança do PS preferiu radicalizar, ameaçando colocar o país pela primeira vez em quatro décadas de democracia sujeito ao governo de uma frente de esquerda integrando extremistas. Por opção do PS, esse será um elemento chave a ter em conta nas eleições do dia 4 de Outubro e na análise dos respectivos resultados.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa