Às vezes penso que o que vale aos países do sul da Europa é termos línguas esquisitas, que ingleses e alemães não entendem, o que lhes permite levar uma vida tranquila sem serem sobressaltados pelas nossas convulsões. Se acaso entendessem as línguas latinas mais periféricas (e, por isso, mais perto do garatujar dos ancestrais romanos), ou aquela algaraviada grega, imagino-os a entregarem-se a uma vida de ócio em frente à tv, sempre sintonizada nas notícias dos países mediterrânicos, e ao consumo de pipocas.
Como o Syriza afinal é um partido que implementa políticas ultra-uber-mega-neoliberais que obrigam o pobre Tsakalotos a dilemas dilacerantes a cada dia de trabalho, e até quer cortar 30% nas novas pensões, não temos notícias de tal agremiação. Enquanto não voltarem à retórica revolucionária gostosa à comunicação social, é de bom-tom fingir que o Syriza não existe.
Mas não há crise, que a Península Ibérica tem mais que compensado as omissões gregas. Por cá os candidatos presidenciais fazem-nos crer que além da categoria já existente de ‘presidenciável’ devíamos também instituir a categoria de ‘candidatável’ – que, parecendo que não, eliminava com proveito todos os candidatos menos Marcelo Rebelo de Sousa, Maria de Belém e Henrique Neto. O mais risível é mesmo o candidato Sampaio da Nóvoa, porque auto convencido da sua importância. Recuso-me a comentá-lo, de tão anedótico, como ‘candidatável’. Só vi tanta presunção e banalidade juntas na personagem Mr Collins, de Jane Austen, um clérigo com propensão para a graxa e falta de noção. (Façam uma pesquisa no youtube por ‘pride and prejudice bbc mr collins’ e vejam se não tenho razão.)
Em todo o caso temos rival à altura dos nossos candidatos do outro lado da fronteira. O Podemos, como sempre, dedicou-se a causas com impacto positivo na vida dos mais pobres dos pobres. Em Granada, fez saber que a conquista da cidade aos Násridas pelos Reis Católicos, oficialmente comemorada na cidade todos os 2 de janeiro, foi um crime contra a humanidade: as celebrações são fascistas, a conquista de Granada foi um genocídio de andaluzes e Espanha devia pedir desculpas (a um ente misterioso que não coube nos 140 caracteres do twitter).
Nem me vou enredar em discussões sobre julgamentos da história longínqua com lentes do século XXI – é atividade demasiado básica. Mas de facto as sociedades atuais podem escolher que factos históricos celebrar e quais manter dentro do armário – aí concordo com o Podemos. O surrealmente fabuloso disto tudo é o Podemos considerar que (além da unidade espanhola ser para escaqueirar) foi perniciosa a purga do islão na Península Ibérica. Olhem que agradável seria termos um estado islâmico, de democracia questionável, apoiante do terrorismo oficial ou oficiosamente, paredes meias connosco.
Ora eu aqui choco com os mariolas do Podemos: poucos momentos são tão celebráveis na história dos povos peninsulares como a conquista do Algarve em 1249 e a tomada de Granada em 1492 (os numerologistas certamente têm imensas teorias impressivas à conta das duas datas terem os mesmos algarismos – sim, eu sei, árabes). Pretendo mesmo a partir de agora dedicar-me à devoção de Afonso III e Isabel de Castela e Fernando de Aragão e aos cruzados ingleses que ajudaram a conquistar Lisboa, de tanta a gratidão por me terem permitido não viver sob o jugo do islão. Vou, ainda, ficar a aguardar o momento em que o BE fará campanha pela mudança de nome do Largo Martim Moniz (esse cruzado intragável islamófobo) para Praça dos Cinco Pilares do Islão. Até tem a vantagem de já estar perto da mesquita que a (secular e laica, claro) Câmara de Lisboa quer criar para desbaratar três milhões de euros dos contribuintes.
Mas pantominas do Podemos à parte, confesso alguma inveja pelo desassombro com que a extrema-esquerda (que por estes dias é quase toda a esquerda) proclama a sua visão do mundo (imaginativa e com abusos de interpretação, mas em todo o caso). Sobretudo quando oiço ou leio Marcelo Rebelo de Sousa, o candidato da direita, que passa os dias alegremente a evidenciar como a direita política nacional adora ser de esquerda. O candidato do consenso – que por cá significa aceitar a hegemonia do PS (e os elogios que lhe verte MRS, têm visto?). O candidato que não vislumbra o apelo da afirmação dos valores da direita: prevalência do indivíduo sobre o estado, iniciativa privada em vez de polvo público, liberdade antes de igualdade, e por aí adiante. O candidato que esqueceu que quando a direita política mais se afirmou do lado direito (com Cavaco Silva em 1987 e 1991 e em 2011) melhores os resultados eleitorais. Até arrebatou o cobiçado centro.
Continuando assim, está selado: a esquerda ganhará as presidenciais (mesmo que ganhe Marcelo Rebelo de Sousa). A direita foi enxotada e nem apareceu. O que, lá está, precisa de pipocas.