A família esteve esta semana em destaque. A marcha pela vida, a apresentação do livro Identidade e Família, a assinatura do Papa no documento A dignidade Infinita da Pessoa, elaborado pelo Dikastério da Doutrina da Fé. Todos estes pontos têm em comum uma ideia da família que se integra numa conceção da vida que não se demite de ter em conta as questões sobre o sentido último da vida e da existência.

Distingue-se esta conceção de família – designada pelos seus opositores de tradicional, conservadora e retrógrada – de uma ideia de família talhada a gosto pelo indivíduo, no pressuposto de que não há uma natureza humana. Ideia irrazoável  por deixar entre parêntesis, ou protelar o seu questionamento, a base em que assenta o indivíduo, a própria vida.

O individualismo não é de hoje, é antigo como tudo o que é humano. Mas foi sem dúvida a modernidade e sua réplicas pós-modernas, que o erigiram em pedra angular do sistema social e político dos nossos dias. A arquitetura metafísica antiga e medieval tremeram com a erupção da dúvida cartesiana, sistemática, metódica, que cedeu ao ceticismo que veio a possibilitar.

Da ideia de Deus, de eu e de mundo, parecem restar hoje apenas nomes, sons sem sentido. Já não faz sentido a procura metafísica, que Aristóteles definira como a marca do humano, mas no curto espaço de vida que redonda os 70, 80 anos – estenda-se a longevidade o que se quiser, ninguém escapa a este facto -, resta viver de forma anestesiada em relação às perguntas que, contudo, não nos largam, exacerbadas pela morte a que parece estarmos destinados.

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Quem vive como se as perguntas não existissem vive à custa da sua autonomia, vontade de construir a vida. Como se fosse eu que me desse a mim mesmo o viver. Pelo que a família se limita a ser uma decisão e uma submissão ao Estado, controle supremo da vida que assim se delimita. Uma espécie de sovietização, para usar a expressão do ex-primeiro ministro.

Passos Coelho apresentou o livro  lembrando que ao longo de séculos foram várias as idealizações da família. Disse mesmo que estava convencido, embora o não pudesse demonstrar, que sem família não há indivíduo. A família é uma instituição natural, a qual deve ser vista pelo Estado na sua especificidade enquanto fonte de vida e sustento de pessoas unidas por vínculos indestrutíveis_ um mundo de “nós” numa sociedade de “eus”, lembra Fr. Fernando Ventura, um dos 22 autores do livro lançado pelo Movimento Ação Ética (MAE).

A família contem a maior diferença possível entre os seres vivos: a diferença sexual, diferença que a ideologia de género pretende negar. O Vaticano reconheceu que tal diferença é não só a maior, mas a mais bela e a mais potente: “na dualidade homem-mulher, ela [a diferença] alcança a mais admirável reciprocidade e é assim a fonte daquele milagre, que não deixa de surpreender-nos, qual é a chegada de novos seres humanos ao mundo”.

Ao invés, hoje em dia, à pala de uma visão da vida que não a acolhe como dom mas como objeto de planeamento,  a chegada de novos seres ao mundo é cada vez mais objeto de uma gestão de meios e  expectativas, ao arrepio do que é uma vida no que tem de dom, mistério e transcendência. Mas por muito que se tente fabricar novas vidas, a criação ex nihilo, não é senão da competência do Criador.

As uniões de pessoas do mesmo sexo não podem adequadamente ser chamadas de casamento, pelo qual uma família se revela na sua potencialidade “criadora”. Que podem definir direitos e garantias, mas não podem ser confundidas com a família. Sabemos ao que tem levado a extensão do conceito de família, e já não nos surpreende termos “famílias” com ou sem pais, com ou sem mães, com 2 mães, 2 pais, ou 3, e por aí fora.

A distinção entre estas duas conceções acerca do que é uma família assenta numa fratura, as tão famosas questões fraturantes que importa enfrentar. Mas a distinção não significa um abismo. A agenda do aborto, do casamento de pessoas do mesmo sexo, da adoção de crianças por casais homossexuais, não está fechada. Aliás o livro apresentado na segunda-feira numa livraria de Lisboa, e que juntou Passos Coelho e Ventura, tem com objetivo ajudar ao debate.

E nem a Escola substitui a família, devendo antes estar ao seu serviço, e não veicular doutrinação contrária ao princípio inegociável que é a dignidade infinita da pessoa humana. Por isso, “devem-se rejeitar todas as tentativas de obscurecer a referência à insuprimível diferença sexual entre homem e mulher: Não podemos separar o que é masculino e feminino da obra criada por Deus, que é anterior a todas as nossas decisões e experiências e onde existem elementos biológicos que não podem ser ignorados”. Ignorar este pressuposto é falhar a todos os níveis, da adoção à educação, da economia à política.