Durante muito tempo os filósofos que se interessavam por política imaginavam situações, por exemplo um jantar ou uma aula de ginástica, em que duas ou mais pessoas nas mesmas circunstâncias desenhavam de raiz uma sociedade. A maior parte das pessoas deixa de participar nesses rituais prospectivos depois dos dezoito anos; chegam por si à conclusão de que impulsos políticos tão drásticos são logisticamente extenuantes. Implicam muita gente, a construção de edifícios, a substituição de regras, a mudança de nomes, e a alteração das horas das refeições. São também ineficazes. A prospecção parece ser útil apenas no curto prazo: todos concordaremos que é bom ir às compras com uma lista; mas em matéria de política o curto prazo não excede alguns anos. Os objectivos de longo prazo são no essencial esforços de curto prazo para tentar distender prazos curtos.

Ao olhar prospectivo será talvez de preferir o olhar retrospectivo. Os historiadores são especialistas em olhares retrospectivos; mas acertadamente manifestam reticência quando se lhes pergunta a opinião sobre modos de pôr a render tanto conhecimento sobre o passado, e assim de transformar a retrospecção em prospecção. Pelo menos aos bons não passa pela cabeça que o passado que estudam possa servir de princípio positivo para o futuro dos outros. Aprende-se com a história apenas no sentido em que se aprende com romances; quem os imagina úteis ao negócio da profecia é com razão considerado maluco. A história será boa para muitas coisas; mas não para gerar uma filosofia política.

Historiografia e romances são maneiras e ocasiões de descrever outras coisas, adereços úteis às nossas tentativas de compreensão de situações que nos parecem pouco familiares. As simetrias, os paralelos e as farsas que se descobrem não são de confiança e têm, no mais, escasso valor cognitivo. Isto não quer dizer que não possa haver critérios para examinar a confusão em que se organizam as comunidades políticas, imperturbadas pelos planos prospectivos de ordenamento propostos pelos melhores de entre nós; e que não possamos descrever com segurança a decência ou a indecência comparativa dos nossos antepassados ou dos nossos contemporâneos; mas são critérios de outro tipo: não são bem filosóficos ou políticos.

Nem que tivéssemos todo o poder do mundo estaríamos em posição de organizar uma sociedade de raiz; antes de esperar pela nossa acção organizativa a sociedade já estava organizada, até se, como na opinião de quase todos, estivesse mal organizada; é possível que não haja sequer uma raiz comum a todos os modos de vida que compreende. De onde vem então esta doença infantil do futuro? Os exercícios prospectivos são possibilidades filosóficas animadas pelo que mais deploramos. Enganam-se no seu âmbito, exageram nos seus remédios, mas exprimem as suas causas. É ao horror das favelas que devemos o horror do urbanismo; mas é à validade limitada dos esforços para a eternidade que devemos as soluções políticas melhores.

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