É certo que em tempos normais nos esquecemos da estirpe de político mais mortífero e que torna os tempos incomuns: aquele que não aceita as derrotas eleitorais, subverte os resultados eleitorais (o socialista João Proença dixit) e expõe o país à traiçoeira extrema-esquerda (que nunca ficou conhecida no mundo pelos pergaminhos democráticos), a políticos que defendem a nacionalização da banca e a socialização dos meios de promoção, e às novas inclemências dos mercados. E tudo com o nobre objetivo de esbracejar pela sobrevivência do político trapalhão que conseguiu perder umas eleições fáceis de ganhar.
Mas nos tempos normais a estirpe de político que dá mais cuidados é outra e, para grande calamidade nacional, muito elogiada tanto pelo cidadão anónimo como pelos jornalistas e politólogos: o político que deixa obra. Para catástrofe de igual dimensão, é uma estirpe de político que abunda nos ministérios e nas câmaras municipais. Claro que toda a gente escarnece das rotundas, mas é para logo a seguir aplaudir a construção da pista de neve e do parque ‘natural’ para os ursos polares, do teatro de marionetes, do zoo de periquitos, do recinto de sumo, do museu de fatiotas que os costureiros famosos desenharam para a Barbie e do centro de congressos (onde se usaram só materiais adaptados a vegans). Os ideólogos destas infraestruturas são geralmente apelidados de visionários, competentes, fazedores, empreendedores.
É certo que nos últimos anos – depois daquela falência patriótica de esquerda de 2011 – houve quem moderasse elogios a tal vírus político. Que entendesse que algumas obras são desnecessárias e, sobretudo, consumidoras de recursos financeiros que o país não tem. Que em alguns casos são realizadas não para suprir necessidades das populações mas para propiciar esquemas de corrupção e de pagamento a clientelas partidárias. Que um país necessita de infraestruturas para se desenvolver, pois precisa, mas que o país de 2015 (ou de 2005) já não é o que Cavaco Silva encontrou em 1985 sequioso de obras públicas.
Perante o atual cenário funesto, presumo ter encontrado a solução: ensinarmos Taoismo a governantes e autarcas. E se forem renitentes na aprendizagem, é recorrer a algum estratagema de manipulação cerebral, ao estilo do filme Candidato da Manchúria (na versão com Frank Sinatra e Angela Lansbury). Em último caso, se não produzirem conversão em tempo útil, podemos ameaçar com a leitura obrigatória de todos os livros de Saramago e de Valter Hugo Mãe.
O Taoismo, recordo, é uma corrente filosófica chinesa do período dos Reinos Combatentes (que terminou em 221 a.C. com a instituição do Império do Meio por Qin Shi Huangdi, o criador do exército de terracota e o alvo da famosa tentativa de assassinato que Zhang Yimou, esse virtuoso da cor e da cinematografia, ficcionou em O Herói) e que tem como princípio fundamental uma coisa esplêndida: a não-ação. Ao contrário do Confucionismo, surgido uns poucos séculos antes e que pregava o governo interventivo pelo Homem Nobre (de carácter) e a ritualização de todos os pedacinhos da vida humana, o Taoismo recomenda não intervir e não agir. O Dao De Jing – o clássico dos ensinamentos daoistas – é taxativo. No capítulo 17 informa-nos que o maior dos soberanos é aquele que não se sabe que existe. E no capítulo 29 declara que ‘quem age, falha’.
Este dito do capítulo 29 fica demonstrado com uma olhada rápida às obras de Costa e Fernando Medina em Lisboa. Costa – com a inépcia que usou para perder eleições – mudou o trânsito na rotunda do Marquês de Pombal e nas laterais da Avenida da Liberdade. Antes subia-se a avenida numa lateral e descia-se noutra. Agora nuns quarteirões desce-se, noutros sobe-se a mesma lateral. Há até o caso de uma lateral que se sobe num quarteirão e continua a subir no seguinte, mas só para arreliar o automobilista há passeio a atravessar a rua e a impedir que se continue em frente na mesma lateral. Foi uma intervenção tão boa que Medina pondera voltar à situação inicial.
Mas Medina também é bom argumento para as lições de Taoismo. Em Campo de Ourique umas obras incompreensíveis roubaram muitos lugares de estacionamento a uma zona que já tem falta deles. E prepara-se para novo atentado à vida quotidiana no que planeia para a Avenida da República, onde quer diminuir as vias para o trânsito (numa zona de grande fluxo) para – oh que bom – construir uma ciclovia. De resto a política de Costa e Medina em Lisboa em boa medida pode ser descrita como ‘assombrar o automobilista e obrigar os lisboetas preguiçosos a pedalarem para serem saudáveis e gastarem pouco dinheiro ao SNS’.
A paranóia das ciclovias é tão epidémica na CML que a EMEL lançou há dias um concurso para gastar 29 milhões de euros para comprar equipamento para ‘Aquisição, implementação e operação do Sistema de Bicicletas Públicas Partilhadas (SBPP) na Cidade de Lisboa’. Não esfregue os olhos nem limpe as lentes dos óculos tão freneticamente, leu bem: uma empresa municipal de uma câmara endividadíssima vai gastar 29 milhões de euros com equipamentos para bicicletas partilhadas. Há lá maior prioridade?
Se as lições de taoismo que proponho não forem bem sucedidas – e governantes e autarcas não se aquietarem para não atrapalharem – bom, podemos sempre ir-nos manifestar de bicicleta quando Costa finalizar a golpada para obter o poder governativo que perdeu em eleições.