Este artigo é para as mulheres que alguma vez na vida se sentiram na obrigação de escolher apenas uma destas coisas, quando na verdade podem ter (e ser) tudo aquilo que ambicionarem.

Quando o tema é maternidade, há sempre um misto de emoções (e desconforto) que se apodera de grande parte das mulheres que possuem uma carreira: anunciar uma gravidez, avisar que um filho está doente e precisa de nós em casa, sair mais cedo para ir a reuniões de pais ou festas temáticas na escola… Estes são alguns dos muitos episódios da maternidade que tendem a pesar negativamente para a reputação profissional das mulheres, fazendo com que estas continuem a ser as maiores vítimas de discriminação, assédio e até situações de burnout e depressão em contexto laboral, como constatam estudos recentes do World Economic Forum, da Deloitte ou da PWC.

Claro que ser mãe acarreta responsabilidades, compromissos e desafios extra para a mulher e, por extensão, para a sua carreira – muitos empregadores gostam de sublinhar isso na altura de recrutar, atribuir um salário, promover ou premiar (a chamada “motherhood penalty”). Mas o que poucos parecem recordar é os valores, as qualidades e competências extraordinárias que a maternidade agrega às mulheres como profissionais – e que, curiosamente, perfazem muitas das soft skills atualmente mais procuradas e valorizadas pelas organizações.

Para além de surgir toda uma nova escala de paciência e resiliência, é reforçada a nossa capacidade de resolver conflitos, de comunicar, de negociar ou fazer storytelling junto de diferentes targets. Melhoramos o nosso autoconhecimento e pensamento crítico, a empatia com os outros, a criatividade e a eficiência. Abraçamos um inesperado leque de conhecimentos multidisciplinares que vão da gestão de orçamentos aos trabalhos manuais, passando pela culinária, a decoração, a organização de eventos ou a (re)aprendizagem ao longo da vida.

Estudos científicos do ASPREE Investigator Group e do Cold Spring Harbour Laboratory explicam como a maternidade põe em marcha a plasticidade cerebral da mulher em áreas como o córtex pré-frontal ou os lóbulos parietais, o que desenvolve a sua capacidade de organização e multitasking, aumenta os níveis de tolerância e resistência ao stress, bem como a aptidão para delegar mais facilmente tarefas ou relativizar assuntos que não são nem importantes nem urgentes.

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No meu caso, ser mãe de duas meninas é uma dádiva indescritível. É também uma enorme prova de superação diária que orgulhosamente partilho com o pai das minhas filhas. Mas não deixa de ser igualmente um inegável motor que impulsiona cada uma das minhas forças e competências, e que agrega ainda mais valor à organização onde trabalho – uma organização tecnológica que além de ter uma CEO mulher, acredita que os melhores produtos e serviços são resultado, não só de um grande talento, mas também de diferentes perspetivas, ideias, culturas e experiências de vida. A isto chama-se inovação. E claramente as mães fazem parte dela.

Por isso, mulheres, lembremo-nos todos os dias (e lembremos o mercado de trabalho) que ser mãe não é obstáculo para nada, é antes um catalisador que potencia a nossa profissão, a nossa felicidade e bem-estar, a nossa motivação e força de viver. E se tivermos que escolher alguma coisa, que seja o lugar onde queremos construir a nossa carreira, com pessoas que nos respeitem, valorizem e confiem na nossa competência, capacidade de trabalho e compromisso – sem preconceitos infundados.

Sónia Fernandes, Software Developer e Genio Trainer na Quidgest

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.