A palavra «crise» tornou-se um prefixo da palavra «Europa». Cada vez que se debate o projeto europeu, enumeram-se as crises vencidas e as crises por vencer – da zona-euro à Ucrânia, dos refugiados ao Brexit –, havendo sempre uma com soluções por encontrar ou, como sabemos, com lições por reter. É raro, todavia, falar-se de uma crise tão marcante quanto as previamente referidas: a crise institucional que a União Europeia atravessa.

Hoje, é notório que os Estados Unidos da América se encontram menos empenhados em evitar que a Europa sofra com a realidade das suas fraquezas ou com as ambições crescentes de países como a Rússia e a China. Esse diagnóstico está feito e não é novidade para ninguém. O que é preocupante – e pouco mencionado – é o facto de a União Europeia raramente reagir à altura das suas circunstâncias. Ora veja-se: perante o rescaldo da crise financeira, o então presidente do Eurogrupo acusou os países mediterrânicos de gastarem «o dinheiro em aguardente e mulheres»; perante o impasse nas negociações para a saída do Reino Unido, o presidente do Conselho Europeu faz piadas sobre «cerejas» e Theresa May no Instagram; perante o já descrito isolamento da UE na arena internacional, o presidente da Comissão Europeia cambaleia ebriamente em cimeiras da NATO.

Como pode a União Europeia acusar Nigel Farage ou Jean-Luc Mélenchon de populismo quando Dijsselbloem, Donald Tusk e Jean-Claude Juncker cometem tamanhas infantilidades? Como vai a União Europeia assumir uma política externa face ao amadorismo do sr. Trump quando há quadros europeus igualmente amadores? Como pode a União Europeia queixar-se da desconfiança dos seus cidadãos quando se mostra incapaz do mínimo de credibilidade?

Não tem autoridade política para fazê-lo e não a tem por responsabilidade própria.

Apesar de sinais positivos na última proposta de quadro plurianual, como o investimento em segurança fronteiriça e em inovação tecnológica, é importante que o próximo ciclo eleitoral seja focado na reconquista desta credibilidade. No limbo estrutural em que a UE se encontra, entre a confederação e o federalismo, os europeístas necessitam de uma injeção de respeito. Caso contrário, qualquer solução para o futuro europeu terá a credibilidade daqueles que falharam em tê-la: nenhuma.

Em Portugal, onde lugares para o Parlamento Europeu são prémio de carreira para autarcas que mal falam inglês, a credibilidade tem-se esforçado por sobreviver. Maria João Rodrigues, Nuno Melo, Paulo Rangel e Marisa Matias são eurodeputados considerados entre os seus pares. Por cá, porém, os políticos domésticos falham em apresentar o projeto europeu como mais do que um limite à despesa («cumprimos as metas de Bruxelas!») ou do que uma fonte de dinheiro («conseguimos mais fundos do que eles!») – o que é tão irresponsável quanto o cambalear pós-almoço do sr. Juncker e tão básico quanto as piadas do sr. Tusk sobre a escolha soberana do povo britânico. Ambos, antes de mudarem seja o que for na União, precisam de mudar o modo como agem em nome dela. Sucintamente, para defender Portugal na Europa e a Europa no mundo, é necessário defender a Europa de si mesma. E não haverá muito mais oportunidades.

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