Quando caiu o muro de Berlim, eu era uma adolescente num país dominado pela figura paternalista de um Estado comunista. Um Estado que detinha e controlava todos os recursos e os distribuía de acordo com a sua (falta de) visão ideológica e económica. No mundo em que cresci, todos tinham casa e emprego garantidos, acesso a educação e saúde. Mas as casas eram todas iguais (igualmente más), os salários nada tinham a ver com o valor profissional, e a saúde era gratuita apenas em teoria porque, na prática, os serviços eram prestados a troco de “ofertas” em dinheiro ou bens e primava pela falta de medicamentos básicos e equipamentos. Iniciativa individual? Desencorajada. “Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos”, era o ditado daqueles tempos. Consequência: baixa produtividade, bens de má qualidade, oferta inadequada à procura existente e colapso económico. Mas o dinheiro nem era assim tão importante, porque o Estado nos DAVA tudo o que nós precisávamos para (sobre)viver. E foi essa palavra que passei a detestar: DAR poucas vezes tem a ver com a pessoa que recebe. Nada era conquistado através de esforço individual, excelência ou profissionalismo. O Estado simplesmente dava. O que quer dizer que também podia deixar de DAR.

Em 2002, quando a Roménia prosseguia na senda do chamado capitalismo selvagem, que, na prática, se traduziu numa falha completa do Estado em assegurar e aplicar um quadro legal que permitisse a saudável iniciativa empresarial, encontrei em Portugal um oásis de amabilidade e de bom senso. Encontrei no caminho pessoas extraordinárias, prestes a ajudar sem qualquer interesse e a reconhecer e recompensar o esforço individual. Foi um caminho difícil, de muito trabalho e esforço, mas que, no fim, mostrou resultados. Por várias vezes afirmei que se pudesse escolher qualquer lugar do mundo para viver voltaria a escolher Portugal.

Os seres humanos não são todos iguais. A igualdade não é uniformização, nivelamento ou o esmagar de diferenças numa massa amorfa. É dar a cada um a oportunidade para, dentro de um contexto estruturado, prosseguir o seu caminho na procura da felicidade. São os indivíduos o motor da sociedade. São as pessoas que, pelo esforço pessoal, criam riqueza (seja ela material, espiritual ou de qualquer outra natureza). E é a sua diversidade que nos garante uma sociedade saudável. A liberdade não é apanágio de um partido, governo, Estado ou movimento. A liberdade é individual, ou não é de ninguém.

Já vivi num mundo que via a propriedade privada como um roubo e a iniciativa individual como suspeita, tirando a uns para DAR a outros, nivelando a todos numa mediocridade cinzenta. Em que o Estado tinha controlo económico absoluto, o que também lhe permitia impor um controlo ideológico absoluto.

Os últimos tempos tem sido um dejá vu desse mundo, um lento e dramático retrocesso das liberdades individuais, uma intervenção agressiva do Estado na esfera privada e uma falha generalizada das instituições democráticas. É um mundo em que não gostava de voltar a viver nem deixar como herança aos meus filhos.

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