Durante os anos duros da troika, um amigo dizia-me que a regra é não sair de casa: mal saímos de casa já estamos a gastar dinheiro. Sobretudo quando se tem filhos e se investe na sua educação, os salários baixos tornam a poupança um exercício muito difícil. Nas últimas décadas, as famílias portuguesas registaram uma das mais baixas taxas de poupança da UE. No entanto, no período de confinamento, muitos portugueses perceberam que, afinal, conseguem poupar. Isto é especialmente notório entre os portugueses que mantiveram os seus rendimentos.

Os dados do INE disponíveis para o primeiro trimestre do ano revelam um aumento da taxa poupança. Por sua vez, a queda de 14,5% no consumo, no segundo trimestre, prenuncia um forte aumento da poupança das famílias. O Conselho de Finanças Públicas (CFP) prevê uma queda de 9% no consumo das famílias em 2020.

O aumento da taxa de poupança em períodos de incerteza está de acordo com as previsões da teoria económica. Antecipando possíveis quebras no rendimento futuro, as famílias reduzem o consumo presente. Foi assim em 2009, com a crise financeira internacional. Foi assim em 2012, com a crise da dívida. Eu e os meus colegas Luís Aguiar-Conraria, Pedro Bação e Miguel Portela mostramos neste livro que a poupança das famílias, nas últimas décadas, variou inversamente com a sua confiança no futuro. No atual contexto pandémico, o aumento da poupança pode ser mais do que uma reação conjuntural. O aumento da poupança pode significar antes uma mudança duradoura do comportamento das famílias. E a recuperação da economia não é imune a estas transformações, porque o consumo é o principal motor da atividade económica.

As regras de distanciamento social impõem menos saídas à rua, menos idas aos restaurantes e aos centros comerciais, menos viagens. Tudo isto representa menos consumo e menos atividade económica.

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O CFP prevê uma queda do PIB de 9,3% em 2020. Nessas previsões, assume-se que a redução do consumo e do investimento, provocada pela pandemia, é transitória. Não se considera a possibilidade de um novo confinamento. E, no entanto, uma segunda vaga da pandemia Covid-19 está em curso e, de caminho, restrições à mobilidade e ao convívio social. Israel já impôs novo confinamento global. Em Espanha, há centenas de milhares de pessoas confinadas à sua área de residência. Muitos países europeus anunciam medidas de imposição de distanciamento social.

Em Portugal, os novos casos de Covid-19 continuam a aumentar, aproximando-se dos níveis máximos atingidos na primeira vaga. E ainda não se fizeram sentir os efeitos da reabertura das escolas na semana passada. O Primeiro-Ministro António Costa avisou que não podemos repetir o confinamento seguido na primeira vaga e que temos de aprender a viver com o SARS-CoV-2. Um novo confinamento teria efeitos catastróficos na economia e na vida dos portugueses. Hoje, esta é mesmo uma das poucas certezas que podemos ter no meio de tanta incerteza.

Lavar as mãos, usar máscara, manter dois metros de distância. Será este novo mantra suficiente para recuperar a confiança dos consumidores e os hábitos pré-pandemia? Se a epidemia continuar a alastrar e a pressão sobre o SNS aumentar, a resposta é não. O movimento das pessoas será reduzido ao essencial e, com ou sem confinamento obrigatório, o consumo sofrerá uma forte quebra.

No entanto, mesmo que se consiga manter a epidemia sob controlo, isto é, sem que se verifique um aumento significativo do número de mortos e de doentes nos cuidados intensivos, é possível que os consumidores demorem a retomar os seus hábitos de consumo. Por dois motivos principais. Primeiro, continua a existir muita incerteza em relação à velocidade da recuperação. Segundo, as famílias podem ter apanhado o gosto da poupança. Sim, porque a poupança, pelo sentimento de segurança que confere, proporciona bem-estar às famílias.

Se as famílias adiarem o consumo – é para isso que serve a poupança –, a recuperação económica pode ser mais lenta.

É neste contexto de grande incerteza que o Governo prepara o Orçamento do Estado para 2021. A incerteza sobre o último trimestre de 2020 é grande. Maior ainda é a incerteza para 2021. Para 2020, o Conselho de Finanças Públicas (CFP) prevê um défice orçamental de 7,2% e uma dívida pública de 138% do PIB. A despesa pública em percentagem do PIB deve ultrapassar os 50%. Os défices orçamentais e externos podem manter-se até 2024.

É verdade que nas suas previsões o CFP não tem em conta variáveis importantes, como as políticas que serão adotadas para combater a crise, a implementação do plano de recuperação europeu e o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027. O CFP vê o choque da pandemia como transitório e prevê para 2021 um crescimento do consumo de 6,9% e das exportações de 7,5%.

E se as mudanças no consumo não forem transitórias? Ou, dito de outro modo: e se, afinal, os portugueses (re)descobrirem o gosto pela poupança? À primeira vista, seria uma mudança salutar. A falta de poupança é uma fragilidade da economia portuguesa. O problema é que, neste contexto, mais poupança implica menos atividade económica, isto é, uma economia mais pequena. E com uma economia ainda mais pequena não vejo maneira de tão cedo voltarmos a equilibrar as finanças públicas. Não há poupança sem senão.