1. Parece que Rui Rio já começou a ensaiar o discurso de uma derrota histórica que, cada vez mais, é uma probabilidade real para o PSD nas legislativas de 2019. Primeiro, foi o próprio líder social-democrata a referir-se numa reunião interna em Lisboa, segundo o Expresso, às derrotas históricas das autárquicas de 2017 em Lisboa (11,2%) e no Porto (10,3%) para avisar que o partido pode ficar abaixo da fasquia eleitoral dos 20%. Depois foi José Silvano, o secretário-geral protagonista do caso das presenças falsificadas no Parlamento, a insistir que o partido pode ter um resultado eleitoral desastroso — e “corre sérios riscos de deixar de ser um partido de poder.” Quem são os culpados? A oposição interna. Ou melhor, a “guerrilha interna”, segundo Rio e Silvano. Porque o líder “não faz milagres”, diz o secretário-geral do PSD.

Sejamos claros. O responsável pelo atual estado comatoso e descredibilizado do PSD só tem um nome: chama-se Rui Fernando da Silva Rio. E por várias razões:

  • Por cometer um erro estratégico básico. Quando o PS está no poder, a principal razão para o eleitor do centro votar no PSD assenta no desgaste do Governo e na diferenciação face ao PS. Não estando António Costa particularmente desgastado (pelo contrário, como indicam os bons indíces de popularidade), o PSD devia apostar claramente na diferenciação. Rio fez, e faz, exatamente o oposto: aproximou-se do PS e faz uma oposição pífia. Os eleitores não percebem qual é a diferença entre o PS e o PSD. Pior: pensam que o actual PSD é o lado b do PS.
  • Por não ter um projeto para Portugal. Esta é uma questão ligada à anterior. Além de ter feito dois acordos estruturais com o Governo (na descentralização e sobre os fundos estruturais da União Europeia) e de pensar, como o Bloco de Esquerda, que a especulação imobiliária combate-se com taxas e taxinhas, pouco mais se sabe sobre as ideias do PSD. E, principalmente, como essas ideias darão melhores resultados económicos e orçamentais do que aqueles (mesmo que medíocres) que têm vindo a ser apresentados por António Costa.
  • Por ser um factor de desunião. Desde que chegou à liderança, Rio tem preferido fazer a paz com António Costa e a guerra aos militantes do PSD que pensam de forma diferente da sua. Em vez de ser um líder que une e agrega em seu redor as diferentes sensibilidades do partido, Rio é um ‘líder’ que quer impingir a sua verdade a todo e a qualquer um. Se não consegue sequer unir os seus companheiros de partido, como unirá o país?
  • Por não ter capacidade de comunicação. Rui Rio quer ser tão original a comunicar que vê os jornalistas como inimigos — um pouco à imagem de Donald Trump e outros líderes populistas. Do ponto de vista estritamente político (e deixando de lado a questão civilizacional de um político supostamente democrata detestar a comunicação social livre e plural), não haveria problema nenhum se Rui Rio fosse dotado de um carisma e capacidade de comunicação extraordinária ou estivesse rodeado de um staff que dominasse as ferramentas modernas da comunicação, como o Facebook, o WhatsApp ou o YouTube. Nem uma coisa acontece, nem outra. Com o episódio humorístico pelo meio de Rio contratar o cacique Rodrigo Gonçalves para gerir as redes sociais do PSD.
  • E pelos maus resultados que apresenta. Passos Coelho deixou o partido após uma derrota humilhante nas autárquicas e a valer 26,9% na sondagem Eurobarómetro/Expresso, logo era expectável que a eleição de Rui Rio promovesse uma subida significativa. Nada disso aconteceu. Subiu em março para 28,4% mas a partir daí foi sempre a descer. E agora em novembro, já vale menos do que um desgastadissímo Passos Coelho com a aplicação de um memorando de austeridade da troika, cinco anos de governo e sete anos de liderança do PSD às costas. Rio prometeu que o PSD ia descolar nas sondagens. Não só não descolou, como continua a afundar-se cada vez mais.

Parafraseando José Silvano, Rui Rio não precisava de fazer milagres. Bastava ser aquilo que nunca conseguiu ser até agora: um líder. Do PSD e da Oposição.

2. Obviamente que Rui Rio não é um ser destituído de racionalidade política. Este ‘baixar de fasquia’ permanente que passou a adoptar tem, além de uma responsabilização da oposição interna, um segundo objetivo: a manipulação da perceção do eleitorado fiel do PSD, com vista a uma passagem bem sucedida (leia-se: continuidade no poder) pela tempestade das legislativas de 2019.

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Neste momento, as expectativas para o PSD de Rui Rio são tão baixas, tão baixas que qualquer resultado que não seja a maior derrota de sempre será sempre uma surpresa. Daí Rio ter desfraldado a bandeira do PSD abaixo dos 20%. Também lhe convém que seja essa perceção geral, de forma a que qualquer resultado acima dos 24,35% (o pior resultado do PSD em legislativas) seja visto com o menos mau. Melhor ainda: um resultado acima dos 28,77% atingidos por Santana Lopes em 2005 (o terceiro pior resultado da história do PSD que deu a maioria absoluta a José Sócrates) quase que poderia ser considerado como uma ‘vitória’ face a tantas adversidades internas.

3. Infelizmente, a realidade política não se compadece tal leitura criativa dos números. Seja o cenário de uma vitória com maioria absoluta de António Costa, seja uma derrota histórica de Rui Rio, uma coisa é certa: o processo de implosão em curso do PSD a que estamos a assistir, pode representar, como já disse aqui, uma oportunidade clara para reconstruir o centro-direita em Portugal e um contributo para uma democracia mais plural e adulta.

Uma democracia finalmente acertada com o relógio dos sistemas políticos europeus em que os eleitores têm propostas claras de esquerda, do centro e de direita. Em que há partidos neo-marxistas e social-democratas à esquerda e em que há partidos liberais e conservadores à direita.

É um pouco irrelevante se o PSD se funde com o CDS ou se surgem novas propostas mais credíveis do que a Aliança de Pedro Santana Lopes. O fundamental é acabar com o anacronismo da referência do centro-direita em Portugal se chamar Partido Social Democrata.

A ironia de tudo isto é que o centro-direita ainda pode vir a ficar com uma dívida de gratidão para com Rui Rio — o homem que fez implodir o PSD.