Lembram-se do Facebook de há seis anos atrás? Parece que foi noutra era geológica. Então, o Facebook ia permitir aos cidadãos coordenarem-se entre si e “fazerem ouvir a sua voz”. As redes sociais eram a realização final da democracia. E agora? Agora, são um perigo, uma ameaça, o meio através do qual facções sinistras manipulam as massas a favor das piores causas. Que aconteceu? Há anos que o Facebook faz negócio com os dados que os seus utilizadores lhe fornecem despreocupadamente. É o contrato do Facebook: vocês usam a plataforma gratuitamente, e a plataforma usa-os a vocês. Quem quer manter a sua privacidade, não use o Facebook: é tão simples como isso. O que mudou, então? Ora, o que havia de ser: alguém descobriu que o Facebook teria disponibilizado dados a uma firma (Cambridge Analytica) que colaborou na campanha de Donald Trump em 2016. Não era suposto. O Facebook devia servir unicamente para os activistas do anti-capitalismo organizarem as suas “manifs”, como os “indignados” em Espanha em 2011, ou para a esquerda mobilizar os seus potenciais eleitores, como fez Barack Obama (“o primeiro presidente das redes sociais“) em 2008 ou os Trabalhistas ingleses em 2017. Assim, estava bem. Agora, ajudar Trump? Isso não.
O escândalo à volta do Facebook tem menos a ver com as redes sociais e o seu poder do que com o choque da eleição de Donald Trump. A elite de governadores e de senadores que normalmente abastece os EUA de presidentes ainda não recuperou. Logo no primeiro dia, começaram as teorias da conspiração para explicar Trump. Ao princípio, a culpa era dos “pobres”, que teriam submergido as classes médias progressistas. Depois, apareceram as forças obscuras que operam nas redes sociais. Tivemos assim o escândalo da Rússia, cujos exércitos de trolls teriam difamado Hillary Clinton, e agora o do Facebook. Nos dois casos, isso envolveu uma reversão espectacular da apreciação das entidades em causa. Ainda se lembram da Rússia do tempo de George W. Bush? A Rússia era então uma potência muito injustiçada pelo Ocidente, que a encurralara com a expansão da Nato. Em 2009, Obama chegou decidido a dar-se bem com os russos, isto é, a fechar os olhos a tudo. Isso durou até Novembro de 2016. A partir daí, a esquerda americana descobriu de repente que havia uma irmandade tétrica entre Vladimir Putin e Trump, e começou a falar da Rússia como o senador Joseph McCarthy falava da União Soviética em 1950.
Estou com isto a dizer que as redes sociais não têm contra-indicações, ou que a Rússia de Putin é uma potência benigna? De maneira nenhuma. O Facebook, como outras plataformas, armazena demasiada informação sobre os seus utilizadores, e exerce um poder parecido com o de um monopólio. A Rússia de Putin tudo fará para minar as democracias ocidentais e a sua influência. Mas o Facebook e Putin não elegeram Trump. Os trolls de Putin criaram falsas notícias, o Facebook forneceu endereços de quem tinha o perfil de um votante de Trump. Mas nem Putin nem o Facebook puseram votos nas urnas. Insinuar que foram eles que ganharam as eleições é admitir que os cidadãos das nossas democracias são uma massa tão vulnerável e obtusa que Putin ou uma qualquer start-up digital podem, sozinhos, decidir quem vai ser o próximo presidente dos EUA. Seria um primeiro passo no raciocínio que levaria fatalmente à conclusão de que é demasiado arriscado deixar o povo escolher o presidente. Ainda bem que o ódio a Trump teve o efeito secundário de fazer algumas boas almas acordarem para os riscos das redes sociais ou para a malignidade da Rússia de Putin. Mas valerá a pena, só para deslegitimar Trump, desvalorizar também a democracia?