Pelas palavras da própria, a IP tem como missão “a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação, alargamento e modernização das redes rodoviária e ferroviária nacionais, incluindo-se nesta última o comando e controlo da circulação.

Tratando-se de uma empresa com responsabilidades e objetivos tão importantes não deveria ser difícil justificar a sua existência e relevância. Acontece que a IP, que se define como “uma referência nacional e internacional na prestação de sistemas inovadores de mobilidade e acessibilidades”, é a mesma IP que, soubemos esta semana, falha 7 dos 13 indicadores de avaliação e desempenho do contrato de serviço público a que está vinculada, com desvios negativos de até 328%.

Ainda antes da divulgação deste dado, na sua mais recente entrevista ao podcast Sobre Carris, Carlos Fernandes comentou e esclareceu o período recente da empresa, nomeadamente os atrasos do Ferrovia2020, as escolhas técnicas dos últimos projectos, entre outros, e os seus condicionalismos.

O vice-presidente da empresa resultante da junção da REFER e da EP em 2015, que segundo o mesmo resultou em ganhos de escala e eficiência na gestão da infraestrutura, declarou que a operação da IP nos últimos anos foi condicionada por diversos fatores. Em resposta aos jornalistas, referiu as limitações derivadas da “seca” do mercado projetista e capacidade de obra do setor, das demoras dos licenciamentos inerentes aos projetos, a lentidão dos concursos das empreitadas (10 meses em média), e os entraves que as dependências de tutelas e portarias de encargos implicam.

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No que toca à falha total dos calendários do Ferrovia2020, Carlos Fernandes admitiu que os mesmos foram feitos sem um critério realista e que eram impossíveis de cumprir desde a primeira hora. Disse ainda que, tendo em conta todos os procedimentos, um “calendário realizável” de um projecto de raiz anda em torno de 7 anos, acrescentando que não há qualquer pressão externa à empresa para o cumprimento dos prazos.

Quando questionado sobre as opções técnicas, consideradas muitas vezes duvidosas, tomadas em muitas obras do Ferrovia2020 e mesmo já em intervenções do PNI2030, o mesmo diz que a IP está ausente do planeamento dos projectos, limitando-se a executar aquilo que o governo (ou o IMT mais recentemente) determina com os fundos que lhe são disponibilizados. Justificou também que muitas das intervenções feitas eram de grande urgência (caso da Beira Alta por exemplo) para o manter o normal funcionamento de linhas e que uma eventual revisão, ou levaria a atrasos possivelmente comprometedores de acesso a fundos comunitários, e/ou de um custo incomportável para os fundos disponíveis.

Portanto, revendo aquilo que a IP diz ser a sua missão verificamos:

No que diz respeito a “concepção”, não apresenta grande função, sendo que se limita a executar o que lhe é exigido (apesar de, na mesma entrevista, Carlos Fernandes se contradizer ao referir parâmetros de velocidade definidos pela IP num dos projectos).

No âmbito de “projecto” e “construção” depende em grande parte do mercado privado.

Em relação à “conservação, requalificação, alargamento e modernização”, chegamos ao ponto de serem necessárias “modernizações” urgentes, simplesmente para manter o normal funcionamento de uma linha.

Um “financiamento” dependente de fundos europeus para quase tudo.

Uma “exploração”, “comando e controlo da circulação” afectada por greves constantes, problemas de interoperabilidade e sistemas de segurança e sinalização ultrapassados.

Ou seja, de todos as funções pelas quais a IP deveria ser responsável, não há uma que de facto realize de forma satisfatória.

Se ter uma identidade gestora de infra-estrutura é uma necessidade de qualquer estado, ter uma empresa que a faz sem qualquer competência, recorrendo ao privado, mas de uma forma em que não tira qualquer proveito em fazê-lo (como por exemplo em regime de PPP), e que recusa por completo a responsabilidade do que diz ser a sua função, é pior do que não ter uma de todo.

No formato em que opera, a IP nada mais é do que uma forma dispendiosa de escusa de responsabilidade política pelo desinvestimento em infraestrutura, de desperdício de fundos europeus e de mau serviço, sem cumprir qualquer papel relevante que o próprio ministério não pudesse fazer por si só. No fundo, um gestor que nada gere…