Enquanto outras cidades europeias como Copenhaga e Amesterdão se tornam modelos de planeamento urbano e mobilidade ecologicamente avançadas e amigas dos cidadãos, em Portugal, e em particular Lisboa, à boleia do populismo e do comodismo, insiste-se em rumar na direção oposta.

Em Portugal, perpetua-se a ideia do carro como símbolo de liberdade individual. Na realidade, esse pensamento não podia estar mais longe da verdade, principalmente dentro de cidades. A verdade é que o uso de transportes públicos, bicicletas e outros modos de mobilidade leve proporcionam inequivocamente uma maior liberdade individual em comparação ao uso do automóvel.

A viatura pessoal continua a ser o meio de transporte mais usado em Portugal, com uma percentagem de utilização (66%) superior à média de países como Espanha, França, Bélgica, Itália e Alemanha, para não incluir outros em que a disparidade é ainda mais arrasadora. A justificação que ouvimos para o uso elevado do transporte individual é que, devido à oferta insatisfatória de transportes públicos e outras alternativas, as pessoas simplesmente não conseguem abdicar do automóvel. Sendo esta uma crítica razoável, também é verdade que continuamos hostis a toda e qualquer medida que se faça no sentido de mudar essa realidade.

O que continuamos a não perceber é que para desenvolver alternativas ao automóvel não é possível manter o uso e incentivo do mesmo. O desenvolvimento de sistemas de transporte público eficientes e outras alternativas de mobilidade, como redes cicláveis, implicam medidas que limitam e condicionam o uso do automóvel. Sendo desculpável que membros da sociedade civil não sejam receptíveis a este facto, o mesmo não se pode dizer de responsáveis políticos que, movidos pelo populismo e propaganda, insistem em ignorar esta realidade.

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Lisboa é das poucas cidades nacionais que facilmente podia ser convertida num exemplo de boas políticas de mobilidade. Cada vez mais dominada pelo carro, fazia falta à cidade um executivo que finalmente olhasse para o futuro e para a qualidade de vida dos seus cidadãos apostando em políticas de redução do uso automóvel. Por Europa fora são inúmeros os exemplos de cidades que, em tempos, foram dominadas pelo carro. No entanto, depois da implementação de políticas restritivas, como substituir lugares de estacionamento por ciclovias segregadas, a introdução de portagens urbanas, criação de faixas dedicadas a transportes coletivos e a transformação de vias rodoviárias em áreas pedonais, essas cidades são hoje exemplos de sustentabilidade e níveis de satisfação dos moradores.

Por cá, apesar das boas intenções e promessas (vazias) expressas em alguns discursos políticos, dia após dia assistimos ao inverso disto. Em contradição com todos os bons exemplos, a implementação de políticas incentivadoras do uso automóvel, com a eliminação da fiscalização automóvel, a expansão de estacionamento em detrimento de redes cicláveis e pedestres, perpetuando a falta de visão de longo prazo e o desprezo pelo desenvolvimento da cidade, continua a ser a aposta do atual executivo.

Toda e qualquer medida de desenvolvimento de transportes públicos ou outras alternativas de mobilidade é expressamente desenvolvida e pensada de forma a reprimir qualquer interferência ao uso do “santo-sacro” transporte individual, mesmo que isso signifique adiar ou, muitas vezes, cancelar tais projetos. Porque no final de contas, e à boa moda portuguesa, todos queremos mudanças e melhorias, desde que isso não implique qualquer esforço ou mudança em nós mesmos.

Se queremos que Lisboa se torne um exemplo de boa mobilidade, ecologia e qualidade de vida, é necessário que comece a haver um compromisso sério e abrangente por parte do executivo municipal, mas também dos seus cidadãos. É essencial envolver ativamente os cidadãos e a sociedade civil nesse processo de transformação. É preciso a promoção de campanhas de conscientização, a realização de consultas públicas e a criação de espaços de diálogo que possam ajudar a construir consenso em torno das medidas necessárias e garantir que as políticas de mobilidade sejam adequadas às necessidades e desejos da população. Isso inclui a implementação de políticas restritivas, como a redução de lugares de estacionamento em favor de ciclovias e espaços para pedestres, a introdução de portagens urbanas para desencorajar o uso do carro em áreas congestionadas e o investimento em transportes públicos eficientes. Pois só quando finalmente entendermos que é preciso empenho, pessoal e colectivo, para haver evolução e mudanças, é que deixaremos de estar vulneráveis ao populismo e aproveitamento político, com a consequência de tudo ficar como está. Porque mudar para melhor implica isso mesmo, mudar. Almoços grátis não existem.