Este ano, pela primeira vez, irei participar no desfile comemorativo do 25 de Abril. De algum modo, senti que a celebração dos 50 anos seria o momento certo para reconciliar a visão do 25 de Abril revolucionário, que me foi passada em criança, com a visão de Liberdade e Democracia que hoje me inspira como membro da Iniciativa Liberal.

Em 25 de Abril de 1974 tinha apenas quatro anos. Com o olhar de uma criança, vivi os anos seguintes com o fervor de Liberdade e o sonho de um país melhor. Na escola primária do Lumiar, em Lisboa, cantávamos que éramos livres, como uma gaivota que voava, voava, e celebrávamos os primeiros sinais dessa nova modernidade, como a chegada da primeira rapariga a uma escola até então só de rapazes. Ainda não sabia o que era a política, mas já sabia que existiam os heróis de Abril que nos tinham libertado da ditadura e aberto o caminho para a Liberdade.

Como criança, ainda não entendia que se podem fazer muitas interpretações de palavras como Liberdade ou Democracia. Só mais tarde viria a perceber que nem todos os heróis de Abril tinham a mesma visão de Liberdade ou Democracia. Para alguns revolucionários, a revolução que derrubou o fascismo, era também o caminho para o sonho da instauração em Portugal de um regime inspirado no modelo soviético. Para eles, a revolução era, em si mesma, mais importante que a Democracia ou o respeito pelo processo eleitoral. A legitimidade de ter trazido a liberdade, transformava-se em legitimidade para impor o seu próprio regime político autoritário.

Quando comemoramos os 50 anos do 25 de Abril, é confrangedor ver que essas forças políticas que nos quiseram arrastar para uma nova ditadura, são as mesmas que agora se apropriam da festa da liberdade e se apresentam como os legítimos guardiões das conquistas de Abril. Com total despudor, ainda se acham com a superioridade moral para classificar os outros partidos como reacionários, fascizantes, extremistas e de valores não compatíveis com os valores de Abril, tudo apenas porque exercem a liberdade de terem as suas próprias ideias. Felizmente, naqueles tempos conturbados da revolução também houve quem tenha tido a coragem de defender a Liberdade e a Democracia. Foi graças a eles que o 25 de Abril acabou por ser muito maior que a revolução e se tornou numa causa integradora da nossa sociedade, que todos devemos celebrar.

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Assim, no dia 25, lá estarei avenida abaixo, com a camisola da Iniciativa Liberal, para celebrar a festa da Liberdade, e dizer que esta também é e sempre foi a minha festa. Estarei para lembrar aos partidos de extrema esquerda que ninguém é dono das conquistas de Abril e que os valores que celebramos nesse dia não são os mesmos da revolução de inspiração marxista com que ainda hoje parecem sonhar.

Mas, digo mais, também quero que eles lá estejam. Quero que os extremistas, os de esquerda, mas também os de direita, lá estejam, porque celebrar a Liberdade e a Democracia também é celebrar o direito que todos temos para expressar as nossas convicções. Em especial, quero estar lá também com os heróis de Abril da minha infância. Hoje sei que o sonho de muitos deles não era o meu, mas não irei apagar o sentimento de gratidão pelo sacrifício e pela coragem que mostraram na luta contra a ditadura. Para mim serão sempre heróis de Abril, porque à sua maneira e no contexto do seu tempo, também lutaram pela liberdade. Este também será sempre o seu dia.

Não haverá seguramente melhor forma de celebrar os 50 anos do 25 de Abril do que mostrar que, mesmo com todas as nossas diferenças, conseguimos celebrar juntos o fim da ditadura e o dia que nos abriu a porta para a liberdade. A Liberdade é mesmo de todos e essa sim é verdadeiramente a grande conquista de Abril.