O boneco acima compara, para três períodos temporais de 15 anos, o número de fogos (a azul, com valores no eixo do lado esquerdo nos gráficos de cima) e a extensão da área ardida (a encarnado e com valores no eixo do lado direito nos gráficos de cima).

Nos três gráficos de cima, em números absolutos, nos três gráficos de baixo, em proporção em relação ao total.

O primeiro período, entre 1980 e 1994, corresponde à progressiva consolidação do problema, à medida que o abandono agrícola e da gestão florestal vão criando condições para a alteração do padrão de fogo tradicional para o padrão de fogo moderno.

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Os fogos tradicionais, a que poderemos chamar fogos de gestão, pese embora a existência pontual de incêndios de grande dimensão e intensidade, tendem a ser fogos frequentes, com períodos de retorno em torno dos quatro a seis anos, de intensidade e dimensão relativamente baixas, formando um mosaico, numa paisagem fragmentada por diferentes usos de solo e, de maneira geral, gerida pelas actividades económicas seculares associadas à agricultura e pastorícia.

Os fogos modernos, a que poderemos chamar fogos de abandono, tendem a ser menos frequentes, com períodos de retorno à volta dos 12 a 15 anos, de intensidade elevada (isto é, libertando muito mais energia) e, dependendo da continuidade do espaço florestal, dão origem a fogos de muito maior dimensão.

É exactamente esse processo que é ilustrado, de forma muito expressiva, pelo conjunto de gráficos apresentados.

O período intermédio retratado, de 1995 a 2009, tem um aumento relevante do número de ocorrências de fogo em relação ao período anterior, com um número também bastante maior de fogos médios a grandes – entre 10 e 1000 hectares – em relação ao período anterior, mas o que é mais significativo é ainda relativamente pouco visível no gráfico: o aparecimento dos fogos com dimensões acima dos 10 mil hectares, que no período anterior acontece apenas uma vez.

Note-se que nestes dois primeiros períodos de análise, os fogos entre 10 e 100 hectares são os que pesam proporcionalmente mais, por volta dos 35%, logo seguidos dos fogos entre 100 e 1000 hectares, que representam cerca de 30% do total.

Resumindo, as principais diferenças entre estes dois períodos estão no número de ocorrências e no valor da área ardida por fogo, que é maior no segundo período, bem como no aparecimento dos fogos muito grandes, acima de 10 mil hectares, ainda que com um peso relativo em torno dos 10%.

O que vinha a desenhar-se, a que o Estado e a sociedade têm respondido com uma política visando a diminuição das ignições e de melhoria e aumento dos meios de combate que potencia os efeitos do abandono da gestão na alteração do padrão de fogo, torna-se muitíssimo evidente no gráfico que diz respeito ao período mais recente, entre 2010 e 2023.

O número de ocorrências cai de forma acentuada, a proporção de fogos de pequena dimensão continua a sua queda suave, com excepção dos mais pequenos dos pequenos, que representam uma fatia do bolo maior que nunca.

No entanto, o que é mais relevante é que os fogos de muito grande dimensão, acima de 10 mil hectares, passam a estar proporcionalmente no mesmo patamar dos fogos de média e grande dimensão, em torno dos 30%.

A proporção dos fogos entre 10 e 100 hectares cai para menos de 30%, os fogos de grande dimensão, entre os 100 e os 1000 hectares passam a ter a maior proporção, em torno dos 30%, e os fogos de muito grande dimensão, acima dos 10 mil hectares, saltam dos cerca de 10% do período anterior para os quase 30% do período mais recente.

Em termos absolutos, os fogos de muito grande dimensão passam a ser responsáveis por quase o triplo da área do período anterior, aproximadamente, período esse que, note-se, incluiu os anos de 2003 e 2005, recordistas de grandes incêndios e extensão queimada global.

Estes gráficos ilustram, em todo o esplendor, o paradoxo da supressão do fogo, um conceito teórico amplamente verificado empiricamente, e que tem levado grande parte dos países com maiores problemas de gestão do fogo a alterar a sua estratégia de abordagem ao problema: quanto mais recursos e mais eficiente for a política de supressão do fogo, sem gestão de combustíveis finos, maior é a dimensão e intensidade dos fogos futuros. Uma política que na verdade seleciona inadvertidamente os incêndios de maior dimensão e potencialmente catastróficos, e cujos resultados foram recentemente comparados àqueles produzidos pelo abuso de antibióticos.

Consumada que está a passagem do fogo de gestão para o fogo de abandono, seria altura de revisitar a abordagem do país ao problema, seguindo o exemplo de vários dos países mais avançados na estratégia de gestão do fogo, adoptando a gestão dos combustíveis finos e o regresso aos fogos de gestão como traves-mestras da gestão do fogo.