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Nuno Medeiros Carrapatoso
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O passado, o presente e o futuro da política portuguesa

Tal como nas crises internacionais do passado, a pandemia, para além de vestir o país de luto, voltou a destapar os diversos problemas estruturais que continuam por resolver.

Nos primórdios da nossa democracia, o povo português premiou o partido e os protagonistas que arrumaram os comunistas a um canto, elegendo o carismático Mário Soares como Primeiro-Ministro do I Governo Constitucional e o incorruptível Ramalho Eanes como Presidente da República.

Volvidos três anos, em 1979, a voz popular concedeu a maioria absoluta à Aliança Democrática, liderada por Francisco Sá Carneiro. Essa vitória resultou do descontentamento popular gerado pela bancarrota de 1977 e pela instabilidade política, bem como da reconhecida astúcia do líder do PSD.

Ao obter a tão desejada maioria, a AD poderia ter usufruído de alguma estabilidade governativa. Todavia, em dezembro de 1980, Sá Carneiro perdeu a vida num trágico acidente de avião, e por mais que Francisco Pinto Balsemão tenha procurado colmatar essa perda, Mário Soares acabou por regressar ao poder, eleito em 1983.

Em 1985, dois anos após a segunda bancarrota da democracia portuguesa, o PSD voltou a ganhar as eleições e iniciou uma década inteira no poder sob os comandos de Aníbal Cavaco Silva. Na primeira metade dessa década, com a entrada na CEE, o suporte dos fundos europeus e uma maior abertura da economia, Portugal prosperou, tendo obtido as melhores taxas de crescimento do PIB dos últimos quarenta anos, entre 1987 e 1990.

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Em 1993, Portugal vinha mesmo de 7 anos de taxas de crescimento do PIB superiores à média europeia, beneficiando também de níveis consideráveis de investimento direto estrangeiro. No entanto, nesse ano, a crise cambial internacional de 1992-1993 contribuiu para uma queda de 0,7% do PIB.

Aproveitando essa quebra e o cansaço de 10 anos de governação cavaquista, António Guterres venceu as eleições de 1995, vendo assim validados os seus Estados Gerais, elaborados por vários ilustres pensadores da praça política de então.

Entre 1996 e 2000, o PIB Português voltou a crescer acima dos 3%, levando à reeleição de António Guterres no final de 1999. Foi também nesse ano que o PIB per capita atingiu o valor recorde de 84% da média da União Europeia (hoje, esse valor é de 77%).

No entanto, algumas das boas intenções dos Estados Gerais não se materializaram e o país começou a entrar num pântano a partir de 2001. Assim, em 2002, ano em que se introduziu o Euro, o PSD ganhou as eleições e Durão Barroso foi eleito Primeiro-Ministro.

Mas em 2004, deu-se um dos momentos mais marcantes da história da nossa democracia. Pela segunda vez, um líder do PSD abandonou a liderança, desta vez não devido a um acidente, mas por deserção com motivações carreiristas.

Como se sabe, esse abandono acabou por entregar o poder nas mãos de José Sócrates, com todas as consequências que dai advieram, nomeadamente a terceira bancarrota e o pedido de assistência financeira, causadas pela conjugação da crise internacional com a gestão danosa do engenheiro.

Consequentemente, em 2011, o PSD e o CDS uniram-se para formar um Governo de maioria absoluta e Passos Coelho apresentou-se como um Primeiro-Ministro disposto a cumprir ao milímetro o programa da Troika. Compreendendo esse esforço, o povo português concedeu-lhe a vitória nas eleições de 2015.

Mas foi aí que se deu um inédito malabarismo na política portuguesa. Para chegar ao poder, António Costa decidiu aliar-se ao Bloco de Esquerda e ao PCP, seus velhos rivais, e traçar uma linha vermelha no meio do Parlamento, virando o país à esquerda.

Aproveitando a arrumação da casa feita pela Troika e por Passos Coelho, uma maré de sorte com níveis de turismo e investimento imobiliário nunca antes vistos, taxas de juro da dívida pública baixas e a famosa política de devolução de rendimentos, tudo se encaminhou para a revalidação da geringonça nas eleições de 2019, desta vez com uma vitória do PS.

Mas a sorte não durou para sempre e o azar bateu-nos à porta em 2020 com a chegada da pandemia. Foi assim que, aqui chegados, se comprovou, mais uma vez, que quem governa contando somente com a sorte, é apanhado com as calças na mão quando ela acaba.

Tal como nas crises internacionais do passado, a pandemia, para além de vestir o país de luto, veio destapar os diversos problemas estruturais que continuam por resolver, particularmente o endividamento, a baixa natalidade, o envelhecimento, a fraca produtividade, a desigualdade económica e social, a falta de poupança, a ausência de um enquadramento propício para o investimento empresarial, os baixos níveis de escolaridade e a lentidão de um sistema de justiça incapaz de acabar com a corrupção.

Portugal apresenta-se agora como um dos países que mais sofre economicamente com a pandemia, que menos percentagem do PIB aloca à sua recuperação e que maior dívida pública tem, continuando a onerar as gerações futuras sem apresentar uma economia suficientemente competitiva. Como consequência, nos próximos anos, seremos certamente ultrapassados pela Hungria e pela Polónia no ranking do rendimento por habitante, caindo para 21º lugar na lista dos 27 países da União Europeia.

Tal como no passado, a popularidade das lideranças de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa saiu fortemente afetada. Efetivamente, se a população portuguesa atuou desde o início com enorme civismo, muitas vezes em antecipação das indicações públicas, é natural que não compreenda a incongruência de se permitirem eventos de massas. Para além disso, os setores mais afetados, entre os quais a hotelaria e a restauração, responsáveis por centenas de milhares de postos de trabalho, também não compreendem como é que a TAP pode receber 1,7 mil milhões de euros para salvar cerca de 7 ou 8 mil empregos, podendo despedir cerca de 2 mil trabalhadores, enquanto eles não podem despedir e terão de contar somente com 510 milhões a fundo perdido.

Chegados aqui, o que trará o novo ano político?

No dia 24 de janeiro de 2021 teremos eleições presidenciais e em setembro/outubro as autárquicas. Se nas primeiras será de prever a vitória de Marcelo, nas segundas a incerteza é substancial, sendo certo que estas poderão vir a ter alguma influência no futuro das lideranças do PS, PSD e CDS.

O ano 2021 e seguintes trarão também outro fator importante. Desta vez, a Europa optou por reagir à crise com uma bazuca financeira e a chegada desse dinheiro a Portugal poderá servir de balão de oxigénio para a governação socialista. Nesse âmbito, a aplicação dos fundos levanta diversas preocupações, das quais destaco cinco:

  1. A possível incapacidade do Estado, das suas instituições e do setor empresarial para executar com sucesso tamanha enxurrada de fundos;
  2. A escassez de análises de custo/benefício, nomeadamente relativas aos elevadíssimos montantes alocados à digitalização e a algumas infraestruturas, como o TGV, que podem levar a enormes desperdícios e baixíssimas taxas de repercussão económica positiva;
  3. A reduzida expressão de fundos canalizados para investimentos e apoios a empresas dos setores com maior potencial na nossa economia, bem como dos mais afetados;
  4. A criação de uma economia dependente dos fundos que poderá não ser sustentável assim que estes desaparecerem;
  5. As trocas de influência e a corrupção.

Dito isto, o futuro mais próximo da política portuguesa está dependente do PS e dos seus parceiros de esquerda. O desgaste dessa parceria é visível, com a descolagem do Bloco e a progressiva abstenção do PCP.

O Orçamento de 2022, que será levado a aprovação parlamentar no final de 2021, poderá ser chumbado e espoletar a queda do Governo, e assim eleições. Se isso não acontecer teremos sempre eleições em 2023.

O PSD irá a eleições em janeiro de 2022 e caso Rui Rio continue a demonstrar aos militantes que é incapaz de chegar ao poder será substituído por outro líder, sobretudo se essa figura aparecer e demonstrar o seu oposto. Também no CDS deverá aparecer outro líder, mais capaz de corresponder à matriz popular do seu partido, agora totalmente entregue nas mãos do Chega.

Nesses não tão longínquos anos de 2022 ou 2023 poderemos assistir a um regresso do PSD ao poder ou a uma revalidação do PS, eventualmente com outro líder que não se coloque tão dependente dos partidos à sua esquerda, ou, pelo contrário, ainda mais abraçado a eles.

Nessa geometria do poder, os partidos laterais terão cada vez mais influência, podendo ser determinantes para formar maiorias absolutas. O Chega, que melhor proveito tem retirado do descontentamento popular, poderá vir a ser uma peça incomodativamente importante no xadrez político da direita.

Nessas eleições, a escolha dos Portugueses será sobretudo influenciada pelos seguintes fatores:

  • Avaliação da prestação do Governo durante a pandemia;
  • Resultados do programa de vacinação;
  • Apreciação da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia;
  • Eficácia da aplicação dos fundos europeus;
  • Evolução da economia;
  • Perfil e o programa das lideranças dos principais partidos na altura das eleições.

Quanto a este último ponto, neste momento dramático em que o nosso futuro se encontra perigosamente em causa, julgo que chegou o momento de mudarmos de rumo em nome das futuras gerações. Para isso precisamos de novos protagonistas que defendam um novo programa político, a meu ver, centrado em três eixos fundamentais:

  1. O reforço da qualidade da democracia, por uma sociedade mais representativa, participativa, inclusiva e justa. Para isso acontecer, será necessário alterar a lei eleitoral, combater a corrupção, reforçar a ética e a transparência, reformar a Justiça, corresponder aos desafios colocados pela influência crescente das redes sociais na opinião pública e promover a cidadania e a participação política dos cidadãos;
  2. A aposta num novo modelo de desenvolvimento económico, por uma economia mais competitiva, atrativa, dinâmica, e geradora de boas oportunidades de investimento e de trabalho. Para isso será necessário refundar o sistema fiscal, atrair investimento direto estrangeiro e fazer os investimentos certos, canalizados para o reforço dos setores com maior potencial, como a indústria, a agricultura, o mar, a energia, a tecnologia, a ciência e o turismo;
  3. A garantia de uma resposta coesa aos principais desafios sociais nas diversas áreas, sobretudo na educação, saúde, demografia, mobilidade, sustentabilidade, habitação e inclusão social. Respostas que promovam uma verdadeira igualdade de oportunidades e um acesso de qualidade aos principais serviços públicos. Para isso será necessário envolver os setores social e privado, em cooperação com o público, alterando paradigmas, sabendo planear, gerir, organizar e fazer as contas certas.

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