1. Pluralismo. É uma palavra um pouco desprezada em Portugal. Num país que continua a ter uma Constituição que promete “abrir caminho para uma sociedade socialista”, é normal que a esquerda tenha uma relação algo complexa com o pluralismo político.

A chegada da Iniciativa Liberal e do Chega ao Parlamento trouxe ao de cima uma vez mais essa originalidade — o que exponenciou o disparate à esquerda. Houve quem culpasse Passos Coelho (o diabo ao qual a esquerda atribui todos os supostos males do país), houve quem quisesse responsabilizasse o Benfica e até houve quem culpasse os mais de 131 mil eleitores (ignorantes, claro!) que votaram nos liberais da IL e nos ultra-conservadores do Chega.

Além de uma ausência preocupante de respeito básico pela escolha dos eleitores, o sectarismo da esquerda portuguesa não conhece limites. Nunca os preocupou que Portugal seja visto nas principais capitais europeias como uma democracia exótica onde a extrema-esquerda tem quase 1/6 do Parlamento. Sempre encararam como obrigatório que Portugal fosse a única democracia ocidental a albergar os estalinistas jurássicos do Partido Comunista Português — adoradores da velha União Soviética e de regimes onde impera a fome e a miséria humana como a Coreia do Norte e a Venezuela — desde 1976. E não vêm qualquer problema em que o expoente máximo da extrema-esquerda indígena (o Bloco de Esquerda) ainda tenha como objetivo destruir o sistema capitalista para construir algo indefinido inspirado por Marx.

De uma forma simples: o pluralismo só é fixe, se for da esquerda radical até à democracia-cristã. Como se os liberais não tivessem lugar na democracia portuguesa e como se os extremistas do PCP e do Bloco não tivessem sido o catalisador do Chega. E — mais grave — como se os eleitores não tivessem o direito de elegerem quem bem entendessem.

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Não me revejo minimamente nas ideias extremistas de André Ventura e do Chega — tal como rejeito os programas radicais do PCP e do Bloco. A verdadeira liberdade e o progresso económico e social sustentado vêm dos moderados — e não dos extremos.

2. Uma das questões mais interessantes da nova legislatura será perceber como o Iniciativa Liberal e o Chega vão influenciar o posicionamento do PSD e do CDS em algumas matérias relevantes para o eleitorado das direitas.

Não tenho qualquer dúvida que as ideias da Iniciativa Liberal para a área fiscal, para a Segurança Social e para uma nova visão da organização do Estado e da forma como este se relaciona com o cidadão poderão acrescentar algo às políticas que PSD e CDS costumam defender. Na maior parte dos casos, não há incompatibilidade — há complementaridade. E isso pode ajudar na federalização das direitas que defendo desde há muito e que está a fazer o seu caminho.

A narrativa da Iniciativa Liberal concentra-se na estagnação económica do país nos últimos 20 anos, na perda de competitividade acentuada para todos os países do leste europeu que entraram na União Europeia desde o final dos anos 90 e na descida sustentada do poder de compra dos portugueses face à media europeia. É um diagnóstico certo que só pode ser combatido com novas políticas públicas e com uma nova visão sobre o Estado — e não com as ideias recauchutadas do PS e do PSD.

Veja-se, por exemplo, o caso da taxa única de 15% de IRS proposta pelos liberais. Esta é uma ideia fora de caixa que pode e deve ser estudada a fundo. Não sei se devem ser 15% ou 18% ou 20% mas sei que vale a pena estudar se essa simplificação do sistema fiscal faria aumentar ou diminuir a receita total anual do IRS e se os ganhos de competitividade em termos de retenção e de atratividade de mão obra qualificada compensariam uma eventual perda de receita fiscal. O mesmo se diga sobre outras ideias dos liberais, como a liberdade de escolha na Saúde e na Educação, a reforma da Segurança Social e a procura da sustentabilidade do nosso Estado Social e até a própria organização do Estado.

É verdade que os liberais apenas tiveram cerca de 65 mil votos — um valor residual contra os 1,4 milhões do PSD e reduzido face aos 216 mil do CDS. Mas a questão é que existe um potencial de crescimento da Iniciativa Liberal em Lisboa, no Porto e noutros centros urbanos com forte dinamismo económico como Aveiro, Leiria e Braga que não pode ser ignorado pelo PSD e pelo CDS. Daí que os dois maiores partidos da direita tenham de estar atentos às ideias deste novo partido.

3. Contudo, o mesmo não se aplica a André Ventura. O voto do Chega tem uma distribuição mais nacional mas com valores residuais. As votações mais expressivas do Chega verificaram-se na zona norte do distrito de Lisboa, em alguns concelhos do Alentejo e no Algarve Litoral. Ou seja, em áreas bastante circunscritas onde existem problemas de integração quer com a comunidade cigana (Alentejo), quer com comunidades estrangeiras, como a ucraniana e a brasileira, que concorrem com a mão de obra portuguesa por empregos sazonais (Algarve).

Por exemplo, o Chega teve maus resultados no norte do país — uma zona onde se esperava que a sua narrativa ultra-conservadora poderia ter tido mais sucesso. E porquê? Porque Portugal não tem um problema de segurança. Não só as estatísticas criminais a nível europeu não apontam nesse sentido, como ainda recentemente o nosso país voltou a ser classificado como o 3.º país mais seguro do mundo. Por outro lado, também nunca tivemos uma crise de migrantes, ao contrário de Espanha e Itália, por exemplo.

É por aqui que PS, PSD e CDS devem combater o Chega, recordando até à exaustão que Portugal é um país seguro e que não tem um problema de imigração.

A estratégia do Bloco de Esquerda e do Livre de transformarem André Ventura numa espécie de inimigo público n.º 1 é errada. Porquê? Porque além de reforçar a notoriedade do Chega, também favorecerá uma estratégia de vitimização de Ventura. Basta visualizar o programa “Prós e Contras” da RTP a seguir às eleições legislativas para perceber que a arrogância da extrema-esquerda e do ministro Augusto Santos Silva não são as melhores táticas. Ventura tem experiência de debate e, como bom populista, aplicou todas as táticas de vitimização que o fez somar pontos. Preparem-se porque vai acontecer o mesmo no Parlamento.

Se a extrema-esquerda e o PS insistirem na sobranceria, Ventura vai aumentar a sua notoriedade e crescer ainda mais nas próximas legislativas. O que acontecerá sempre mais à custa do CDS, do que do PSD.