Recentemente, no Mundial do Catar, durante o jogo de Portugal com o Uruguai, um homem sozinho invadiu o campo. No Mundial mais controverso da história do futebol, um ativista italiano fez questão de entrar em campo com a bandeira LGBTQIA+ na mão, enquanto aproveitava a frente e o verso da camisola para fazer outros apelos: salvem a Ucrânia, de um lado, e respeitem os direitos das mulheres no Irão, do outro.

Quem nunca se sentiu assoberbado com tanta causa? No meio do caos que é o mundo, é cada vez mais difícil escolher. Os direitos humanos estão a ser violados, os desastres ambientais vaticinam o pior dos cenários, as democracias colapsam. E depois há as incontornáveis questões de princípio, como a luta contra o racismo, a violência doméstica, a saúde mental, a inclusão social, a dignidade no envelhecimento, ou a igualdade de género – para enumerar apenas algumas.

O normal é querer abraçar tudo e todos. É querer mudar o mundo de uma penada só. É distribuir o mal pelas aldeias. O problema é que isso não ajuda ninguém, sobretudo as marcas que se associam imediatamente a causas. O perigo para as marcas é a descredibilização, o soar a falso, a falta de critério. Faz parecer que estão à procura da causa do momento para surfarem, juntamente com a opinião pública, aquela grande onda de indignação coletiva. E quando acabar, apanham a próxima onda. As consequências podem ser graves para a imagem da marca, por razões óbvias – ninguém, ou pelo menos ninguém que esteja minimamente atento, tem paciência para as tentativas de “Whashing”, seja de que cor for. Mas as consequências são sobretudo graves para quem quer fazer um trabalho sério a este nível.

O excesso de bandeiras hasteadas não traz mais que ruído visual. As palavras passam a ser ocas e os gritos de protesto abafam-se uns aos outros. Como se não bastasse, ainda temos os cínicos que, talvez para justificar a sua inércia, gostam de defender o tudo ou nada. Desanimam-nos com o seu pessimismo e garantem-nos que, ou salvamos o mundo inteiro, ou estamos apenas a ser hipócritas. Isto provoca nas pessoas ansiedade, confusão e frustração. No fim, a paralisação.

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Para mim, a solução é “foco”. E é válida para pessoas como é para marcas porque ambas se devem definir a partir dos seus valores. Para ser mais dramática, a solução é foco no propósito da nossa existência – a decisão que todos temos de tomar e que nos vai definir: quem somos e o que defendemos. Foco no caminho e no objetivo: para onde queremos ir e como queremos lá chegar. Não ceder à tentação de ter um pé em cada uma das ruas, atalhos e vielas que nos surgem à frente, tantas vezes iluminados pelo fogo de artificio do momento.

Acredito que, se tivermos foco e escolhermos bem as nossas batalhas, se formos coerentes com o que realmente nos move e com o nosso propósito, então, temos maior probabilidade de sermos consistentes no nosso compromisso, no nosso discurso, e na energia que lhes dedicamos. Quando nos ouvirem falar, os outros vão perceber que somos experts na matéria porque já testemunharam a nossa entrega. Vão saber que o que dizemos é verdade. Que o que sugerimos é, provavelmente eficaz, e que o nosso esforço é verdadeiro.

Se cada marca escolher aquilo que quer defender, com critério e dentro do seu território, o seu esforço terá maior impacto, a comunicação será mais eficaz, e mais causas podem ser apoiadas e divulgadas com a seriedade e dignidade que merecem. Isto não significa que não adotem práticas responsáveis no seu código de conduta, como reduzir as emissões carbono; fomentar a empregabilidade inclusiva ao contratar pessoas com deficiência; ou promover a igualdade de género, tendo o cuidado de equilibrar os números e os salários. Mas nada disto tem de ser uma bandeira. Fazer o que está certo não é, por si, uma causa, é apenas ser decente.

Todos temos de fazer a nossa parte, mas não precisamos de salvar o mundo sozinhos, ou seja, escusamos de tentar carregar todas as mensagens ao mesmo tempo na camisola. Mais vale carregar uma única mensagem feito tatuagem, como canta Chico Buarque. E quando for para invadir o campo, que esteja à mostra e seja inequivocamente nossa.