O governo francês, um dos mais vanguardistas na luta contra a fast-fashion e pela promoção da sustentabilidade, prepara agora medidas ainda mais agressivas contra a indústria da moda. Mas quem são os verdadeiros alvos e quem são os responsáveis pelo problema? Vamos aos factos.

A proposta pretende combater o crescimento de serviços de fast-fashion, que têm origem predominantemente na China, destacando-se as empresas como a Shein e a Temu. A batalha terá como palco o sistema fiscal, através da implementação de uma taxa adicional sobre esses produtos. O objetivo da medida é desencorajar o consumo por parte dos franceses, contribuindo assim para a redução do volume de consumo têxtil no país.

Essa abordagem fiscal representa um esforço significativo para mitigar os impactos ambientais e sociais associados à fast-fashion. A redução no consumo de produtos têxteis é crucial para a transformação do setor rumo à adoção de práticas sustentáveis e à integração na economia verde. Em Portugal, iniciativas inovadoras como o projeto be@t, liderado pelo Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e Vestuário de Portugal (CITEVE), com a participação de várias empresas de relevo no setor como a Sonae, várias ENESIIs e instituições do ensino superior, como é o caso do Human Neurobehavioral Laboratory e da Escola Superior de Biotecnologia, ambos na Universidade Católica Portuguesa no Porto, colocam como um dos focos da transição verde do setor a reeducação do consumidor em relação às suas práticas de consumo de vestuário. A ênfase está na importância de usar cada peça de roupa por mais tempo. Para tal, é necessário reutilizar e reparar as peças têxteis em detrimento da compra constante de novos produtos. Esta abordagem não apenas alivia a pressão sobre os recursos naturais, necessários para a produção de novas peças de vestuário, mas principalmente, contribui para a redução da pegada ecológica do setor da moda.

É um facto amplamente reconhecido por vários investigadores e especialistas na área da sustentabilidade têxtil a urgente necessidade de divergir rapidamente da atual rota, adotando novos modelos de consumo que minimizem o descarte de roupas em aterros, especialmente aquelas em condições de serem reutilizadas. Investigadores do Human Neurobehavioral Laboratory da Universidade Católica exploraram a recetividade do consumidor português a esses novos paradigmas de consumo, incluindo a compra de itens de segunda mão e a partilha de artigos têxteis. Estes estudos revelam um crescente interesse nessas alternativas sustentáveis, embora também tenham identificado barreiras significativas à sua adoção plena. A transição para práticas de consumo mais sustentáveis requer uma mudança cultural profunda, e a elevada necessidade de trabalhar com a comunidade, através de um trabalho de esclarecimento relativo às suas preocupações, adereçando e ajudando-os nesta transição1.

A proposta francesa de taxar produtos de fast-fashion, especialmente aqueles descritos como “ultra fast-fashion” de marcas notoriamente deficientes em sustentabilidade na produção e nos materiais utilizados, visa essencialmente diminuir a atratividade dessas mercadorias em comparação com os produtos de marcas com uma menor pegada ambiental. Contudo, é importante ponderar sobre quem realmente será impactado por esta medida. Marcas de ultra fast-fashion, com os seus preços baixos e facilidade de acesso, podem continuar a ocupar uma grande parcela do mercado. Assim, a introdução de uma nova taxa pode acabar por se tornar mais um ônus para o consumidor do que um verdadeiro impedimento ou penalidade para as marcas em questão, se não for usada uma abordagem mais holística para incentivar práticas de consumo sustentáveis. Os consumidores com menor poder de compra devido a salários mais baixos têm necessidade de ter alternativas mais baratas, sendo, portanto, necessário considerar que a proposta francesa pode afetar desproporcionalmente consumidores de classes mais baixas em relação aos consumidores de classes mais altas que dificilmente serão desencorajados pelo aumento do preço. O combate à fast-fashion é uma necessidade absoluta e uma resposta à crise climática, mas o desincentivo deste mercado tem de passar pela promoção e viabilização de alternativas sustentáveis. Projetos como o be@t têm um papel crucial na reformulação da indústria têxtil para que se reinvente de forma mais sustentável e consciente. O foco deste projeto na utilização de materiais sustentáveis e reciclados é um passo importante nessa direção.

A chave para um futuro mais sustentável no setor têxtil reside na colaboração entre a sociedade civil, as empresas e os governos. Trabalhando em conjunto, é possível criar um sistema que priorize a qualidade, a longevidade e o impacto ambiental positivo dos produtos de moda.

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